terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Espertinho !!!!!!





Hoje já ninguém se lembra, mas no início do século passado, as ruas, que hoje se chama “ A Baixinha” de Coimbra, ficavam ao mesmo nível do rio.

Depois, com as obras da Rua Navarro, ficaram a um nivel inferior. E era aí numa dessas ruas estreitas que a minha avó tinha uma taberna, onde se vendia chanfana, ou mesmo só o molho quando não havia dinheiro para pagar a carne.

Parece que tinha fama de saborosa.

O velho Basófias era navegável e as Barcas Serranas desciam o rio desde Penacova, carregadas de carqueja, azeite e carvão. As recoveiras aproveitavam o transporte e aviavam os recados, as lavadeiras traziam a roupa para lavar, ali mesmo na margem, pendurando-a a seguir nas grades que ainda hoje lá se encontram, ou até no próprio areal.

Quando as Barcas subiam o rio, levavam de volta as lavadeiras com a roupa já seca.

Contava a minha mãe que a minha avó mandava a criada para a porta da taberna contar as velas das Barcas a fim de saber quantos pratos de chanfana tinha que preparar

Numa tarde de vento e chuva forte, aliás numa tarde de tempestade, a minha mãe foi visitar a mãe dela, minha avó e ...... nessa tarde, eu nasci.

Ao mesmo tempo desabava a chaminé em cima de um tacho de arroz de chouriço que cozinhava em cima do fogão da taberna. Passados um dia ou dois, lá fomos as duas a caminho da aldeia. E foi na casa da minha avó, na Rua Sargento-Mor, rua pequena, estreita e escura que eu nasci. Lá em baixo, na taberna, apesar do temporal, a vida continuou sem sem mais transtornos que o arroz de chouriço desfeito debaixo da chaminé caída.

Aos Domingos havia música no Parque da Cidade. E era ver algumas velhotas, rapazinhos e militares a correr para ficar bem à frente da grade do coreto. Não raras as vezes a luta por um lugar melhor “ descambava” em zaragata. E apanhava quem não podia fugir, ou porque as pernas não acompanhavam o pânico que se gerava, ou porque não havia tempo de fugir. Numa dessas zaragatas, a minha bisavó foi apanhada. Ela, que não perdia uma boa tarde de música no coreto, ao Domingo. Na pressa da fuga perdeu uma chinela. Claro que a minha avó não gostou da “ coisa”. No outro dia foi à esquadra a fim de reaver a chinela. Só tinham encontrado umas asas de um qualquer anjinho de uma qualquer procissão. Foi uma risota entre os militares, pois conheciam bem a referida velhota.

As histórias e personagens vão-se entrelaçando entre si. São sempre as mesmas pessoas, pois sendo um local pequeno, toda a gente se conhecia. As tristezas, as alegrias e até as partidas eram como se de uma família só se tratasse.

Ali mesmo ao lado da rua onde morava a minha avó havia o Largo do Romal. Morava ali o “ Perneta”. Tinha uma perna de pau Daí o alcunha Vivia no 1º andar. Como companhia, uma gata amarela. Quando subia a escada de madeira só se ouvia o som cavo da perna de pau a bater nos degraus.

Um dia a gata morreu. O homem desfazia-se em lágrimas de pranto. Juntaram-se as vizinhas e decidiram consolar o pobre homem. Fizeram uma coroa com o material que tinham mais à mão: carqueja. Ficou danado e nem teve dificuldade em descer as escadas atrás delas com a muleta pronta a desabar na primeira que encontrasse.

Tinha a minha avó Catarina um galo lindo. De penas amarelas e pretas. Andava por entre as pernas dos fregueses, sentados em bancos corridos. Comiam chanfana e bebiam vinho.

Lá ao fundo alinhavam-se os pipos cheios do líquido cor de rubi. O meu avô pouco por ali parava. Não gostava ! Tinha outras ocupações. E o galo por ali andava sem incomodar ninguém e também ninguém o incomodava. Migalha aqui, migalha ali Já fazia parte da clientela. O meu avô embora, por vezes arredio dali, ia-o observando Parecia que de prazenteiro e alegre durante o dia, tudo se modificava à noite. Cambaleava e o rabo cheio de penas enormes, ficava retorcido. A crista vermelha, ficava ainda mais vermelha e tombada. Mau! Estaria o galo doente ?

Os dias iam correndo. O galo, de vez em quando largava um cócórocó sonoro, de bico aberto apontando ao sobrado onde eu nasci num dia de tempestade. À noite nem força tinha para cantar. O sonante cócórocócó saia rouco, esganiçado e desafinado. Não havia resposta para tal transformação.

O meu avô tirou-se de cuidados e espreitou. Então não era que o esperto bicho se colocava debaixo da torneira da pipa e aparava, de bico aberto, o pingo que caía . Claro! À noite a bebedeira era no mínimo....... muito grande !!!!!!



Natércia Martins

1 comentário:

teresa frazao disse...

Pronto, Natércia, finalmente, cá cheguei. Com esta incapacidade para navegar na blogosfera, aqui vão umas palavras para dizer um bem haja pelas no meu blog.
E um bom dia para dizer que isto há-de ser uma conversa longa para ir tecendo teias e afectos.