segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A velha caixa

Tenho uma caixa de papelão muito velha, atada com um cordel velho como a caixa, pousada numa prateleira. O nó do cordel, bem apertado, não se deixa desatar. Puído, mas seguro. Nunca ninguém se atreveu a ver o que tem lá dentro. Quando a minha avó ainda era viva, não deixava que eu ou o meu irmão lhe tocássemos. Dizia que tinha lá dentro um segredo.. Pois! Um segredo ! Que raio teria a caixa lá dentro ? Um dia, numa tarde quente de verão, a casa parecia sem ninguém. Vazia. Todos tinham ido à sua vida. A criada, única pessoa, por perto, naquela tarde, fazia o seu trabalho, arrumando a roupa passada a ferro, lisinha e cheirosa , porque a água límpida do tanque fizera o seu papel e o estendal no corredor das roseiras, túlipas e buganvilias fizeram o resto, transmitindo o seu cheiro à roupa, mesmo sendo o ferro aceso com carvão que cheirava mal. E a caixa na prateleira ! Uma dessas tardes, o meu irmão e eu decidimos que iríamos ver o que continha a caixa de tão precioso. Um de nós subiu a uma cadeira, tirámos a caixa com muito cuidado, sentámo.nos no chão ainda hesitantes, mas decididos. Iríamos ver o que estava lá dentro. A caixa era muito leve. Poderíamos afirmar que não continha nada. Mas devia ter.Teria ? Abrimos ? Não abrimos ? Porquê tanta preocupação com uma caixa velha ? Tantas perguntas sem resposta. Nisto e como por magia, apareceu a minha avó. Mesmo no momento certo. Passou-- nos uma descompostura lal, tão violenta, aguçou-nos ainda mais a curiosidade mas nunca mais tocámos na caixa, nem olhámos para a prateleira, tal o medo que nos pregou. A avó, passados uns anos faleceu E a caixa lá em cima . Mudou tudo na casa, menos a tal caixa, muda, quieta, intocável, na velha prateleira, no mesmo sítio. Agora era a minha mãe que não deixava que se abrisse. Crescemos e o tempo foi passando. As férias, os amigos, as aulas, os verões, os invernos, o frio, o calor, as noites de lua cheia, as noites escuras como bréu, os meus namorados, as namoradas do meu irmão, as mortes, os casamentos, os baptizados, tudo se foi sucedendo. Passaram anos. A velha caixa também mudou de casa. Está ali, juntinho a um relógio de sala que veio com ela de casa dos meus pais. Sem nunca ninguém ter tido a coragem de a abrir. O que tem lá dentro ? Não sei ! Talvez nunca ninguém venha a saber porque a caixa vai passando de geração em geração e como se de magia se tratasse, vai ficando com o nó feito de cordel, mas que ninguém se atreveu a desatar.
Natércia Martins Junho de 2011-07-18