sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Ti Herculano

Andava o Ti Herculano a aprender a arte de sapateiro, lá para os seus 13 ou 14 anos em Bruscos. Era preciso ter uma “ arte” pois sem isso seria impossível conseguir governar a vida mais tarde.

Sem uma “ arte” teria que trabalhar na terra, o que não convinha muito. Dava muito trabalho e o pai do rapaz queria fazer dele um homem.

Como dizia, vinha ele de Bruscos, já de noite, atravessando caminhos dentro do pinhal, desertos, embora aqui e ali bordados de terras cultivadas, roubadas ao pinhal.

Havia uma terra de milho, grande, das maiores por ali existentes.

O milho já maduro apontava espigas para o céu, como agradecendo a dádiva dos grãos já maduros.

O rapaz ouviu uma “restolhada”ao longe, dentro do pinhal. Um arrepio gelado, atravessou-lhe a espinha. Tremeu ! A lua cheia iluminava o mato, o caminho e o milho.. Lua cheia, linda !

Olhou para o lado, de onde vinha o barulho, quando um cão grande, preto, luzidio se lhe atravessou no caminho, correndo direito ao campo de milho que caia, estourava, derrubava as plantas a eito.

Correu , desaparecendo e deixando atraz de si um rasto de destruição, como o rapaz nunca vira.

Correu a esconder-se em casa.

No outro dia, com a luz do sol já a iluminar em todo o seu esplendor, viu com espanto que as plantas se conservavam direitinhas e as espigas continuavam apontadas ao céu esperando que a mão humana as colhesse e debulhasse, parecendo nada ter por ali acontecido.

Passados tantos anos, ainda recorda esta história do lobisomem feito cão que se atravessou no caminho.

Continuando as conversas de aldeia, cheias de histórias, de quem acredita em bruxas e almas “ do outro mundo “ há ainda uma outra que também não deixa de nos provocar um sorriso.

Vinha também da Bendafé o Ti Albano, habitante do Bom Velho.

Como era muito mais fácil atravessar pelo pinhal do que pela estrada, e havia pressa de chegar a casa, lá vinha o bom homem a passar numa encruzilhada, que ainda hoje lá está com plantas viçosas como alecrim e carrascos. As pedras saltavam, soltas debaixo dos pés. Já com algum “copito # bem bebido,noite alta. Atravessou e ouviu uns barulhos esquisitos. Olhou para o lado e viu um carneiro preto sentado a olhar para ele. Teve medo, claro ! O carneiro fugiu, mas, afoito o homem quis saber onde se escondera, entretanto.

Bateu” tudo em redor, ouvindo barulho mas sem encontrar nada. O que era .... “ rapou-se” sem mostrar mais por onde passara......

Uma outra, ainda, contada pela vizinha Maria Alice:

Ti Manel Bento, também era da Bendafé. Vinha para o Bom Velho de Cima quando já perto de chegar reparou num carneiro preto deixando-se, este, apanhar. O homem colocou-o às costas, disposto a, quando chegasse a casa, o matar e comer. Carne para uma boa chanfana feita à moda de Alcabideque ... Sem custar dinheiro. Um carneiro ! Boa !

Chegados perto da capela do Bom Velho de Cima, pertinho de casa, o carneiro começou a espernear. Esperneou tanto que já cansado o largou.

Falou o carneiro:

-- Deixa-me fugir ! Assado é que não quero ser, não !!!!!!

Desatou a correr, pinhal acima.

Histórias de outros tempos, com bruxas e lobisomens à mistura, onde se acreditava e guardava culto a coisas que hoje nos fazem sorrir e também acreditar, ou não nestas “coisas” sem explicação aparente.


Natércia Martins

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