Quem vive na cidade nem dá pelo anoitecer, mas nós que vivemos na aldeia, o tempo contado de forma, não é bem assim.
O trabalho pesado, fazia - se de sol a sol e depois das trindades, pouco mais nada havia a fazer. A ceia comida quase sempre à luz do candeeiro de petróleo porque luz eléctrica, por aqueles lugares da serra só muitos anos depois.
Quanto a telefones .... o mesmo. Não havia. Um ou outro particular e só em casa de gente rica. A minha terra não tinha gente rica nem telefones particulares. O único telefone era em casa do meu pai. Era público com uma cabine de madeira, enorme dentro da sala que, por sua vez, também era grande. Foi cama do cão durante vinte anos. Quando alguém queria fazer ou receber uma chamada telefónica, o primeiro trabalho era sempre remover a cama do cão. Nunca ninguém se queixou do cheiro, ou pulga apanhada ali.
Não se pense que há cinquenta anos, telefonar era tão fácil como hoje. Nada disso! Havia que, primeiro, ligar à estação que por sua vez ligava à central, e só depois a menina dos telefones fazia a ligação por meio de um complicado sistema de cavilhas que, já gastas de tanto uso nem sempre se fazia em perfeitas condições.
Esperava-se horas, por vezes.
Naquele fim de tarde a campainha do telefone tocou, anunciando que alguém queria falar.
Esquecia-me de dizer, que, quando alguém queria um recado, lá íamos nós, de dia ou de noite, levar a missiva. Se havia nascimento a anunciar, era uma alegria e até chegávamos mais depressa com o recado. Mas se era um falecimento de familiar próximo nem se penso o que o caminho custava a percorrer. As pernas entorpeciam.
Como dizia, naquele dia havia um recado. Um recado de Lisboa. Apenas nos pediram que fossemos chamar o primo Amadeu, que morava no Barroco. O compadre de Lisboa precisava de lhe dar um recado.
Ainda pensámos em não ir chamar o homem Era quase noite mau caminho. Mas, aventou a minha mãe, podia ser coisa de importância.... O melhor era ir, mesmo.
E lá fomos nós A minha mãe, eu e a criada.
A noite foi caindo, caindo até que ficou noite fechada. Pé aqui, pé ali, pé num buraco, pé numa pedra, topetão aqui, topetão ali, e o lampião que não dava luz que se visse ! Lá chegámos.
Bateu-se à porta. O homem ficou sobressaltado. Já estava na cama. Quando assomou à janela ficou aflito. Mais aflito ficou quando soube que era de Lisboa.
A custo vestiu-se e pôs os pés ao caminho.
Pelo caminho, fizeram-se conjecturas das mais variadas. Podia ter morrido algum dos compadres, o filho estava no hospital, a comadre tivera outro bébé, etc, etc.
Chegados a casa, o homem sentou-se numa cadeira à espera do telefonema que tardava em chegar. E ele que estava tão bem, quentinho no meio dos cobertores junto da mulher Albertina. Esta ficou em aflições prevendo as notícias que aí vinham. E pior de tudo. Nós sem jantar. A criada foi connosco e não sobrou nada do almoço.
Enquanto isto, já noite adiante o trim trim do telefone fez-se ouvir.
O compadre Amadeu meio desajeitado, meio ensonado, foi atender. Com toda a calma dizia:
__ Não, compadre. Não lhe posso mandar o cabaz das cerejas. Não as posso apanhar. A cerejeira é muito alta e tenho medo de cair.
A cara da minha mãe mudou de cor: vermelho, amarelo, verde e até azul.
Tinhamos feito uma caminhada noite dentro, não Tinhamos jantar, tudo por causa de um cabaz de cerejas ....
De rompante, levantou-se da cadeira, dirigiu-se ao pobre homem e gritou:
__ Vai mandar o cabaz das cerejas, amanhã, porque se não mandar, sou eu mesma que o vou obrigar a subir à cerejeira !!! E mais !!!! Diz se obrigada, se faz favor e com licença, sinal de boa educação e eu gosto disso, coisa que não fez quando aqui entrou !!!!!
O homem entre a aflição e a raiva da minha mãe, nem deve ter entendido, nem pensar o porquê daquele arrazoado todo, dito assim de rajada ......
Natércia Martins
2007
1 comentário:
Lindo, lindo, Natérica!
Enviar um comentário