domingo, 23 de fevereiro de 2020

Sopa, sopas e papas


Segundo a opinião dos gastrónomos a sopa é uma mistura pastosa de água e alguns ingredientes tão variados quanto a nossa imaginação.
Alimento milenar que, segundo algumas opiniões apareceu pouco depois de ter sido descoberto o fogo.
O curioso da questão é que quando ainda não havia utensílios de barro ou metal, coziam uma espécie de sopa em buracos existentes nas pedras entretanto aquecidas.
Há sopas feitas somente com pão e água, outras com cereais e ainda outras com hortaliça que são as mais comuns.
Há, ainda, outras opiniões que colocam a sopa como alimento da pré-história, portanto muito antes do aparecimento do fogo.
A sopa tem como base a cozedura em água de hortícolas, leguminosas ou tubérculos aos quais se associa azeite e sal.
A sopa é o alimento ideal para o bom funcionamento do organismo principalmente os intestinos, devido à presença de fibras, água e também pela temperatura a que é servida.
Se comermos um prato de sopa o apetite fica mais reduzido para o prato que se segue. Em suma: a sopa prepara o estômago para o prato seguinte.
Costuma-se dizer, a grosso modo, que a sopa é a tranca da barriga. E é por isto que a sopa deve ser comida no início da refeição devido à sua condição de saciante.
A maior parte das sopas são feitas com ingredientes cozidos, portanto, quentes.
A sopa de pedra onde entra a história do frade comilão, mas engenhoso que foi pedindo os ingredientes para uma sopinha já tendo uma fogueirita e uma panela a ferver com uma pedra lá dentro. Foi-lhe sendo facultado tudo o que pedia e havia na casa onde se abeirou e comodamente se sentou num degrau: as couves, o pedaço de chouriça os feijões, a cenoura, o sal e o azeite.  Os donos da casa queriam ver o que saía dali, tal era a curiosidade. Era apenas uma saborosa sopa. O frade comeu e saboreou. A pedra? Bem, a pedra ficaria para a próxima sopa.
Parafraseando o inteligente frade, dizia-se na minha aldeia que: havendo água até com uma pedra se faz sopa.
Ainda, voltando uns anos atrás, na história humana, o homem caçador por natureza e também por necessidade, se deu conta que havia carnes duras e ficavam macias e saborosas quando cozinhadas em água e ervas.
Conta-se que na idade média a sopa consistia num pedaço de pão sobre o qual se vertia um caldo de carne, legumes ou vinho a ferver, diretamente para a travessas fundas de barro ou estanho.
A partir do séc. XVI a cozinha foi ficando mais sofisticada e começou a introduzir-se massa, tomilho ou frango.
As sopas podem ser feitas de qualquer coisa, sendo alimento acessível a todas as bolsas, possui a vantagem de reter no seu caldo os nutrientes dos respetivos ingredientes.
Para famílias de fracos recursos a sopa era, em tempos, o único prato da refeição.
Há sopas frias como o gaspacho ou as célebres sopas de cavalo cansado.
No interior do país ainda se usa fazer sopas de café para o pequeno almoço. Consiste em colocar pão velho no fundo da tigela, açúcar e finalmente o café.
As sopas de cavalo cansado como pequeno almoço era considerado um tonificante para pessoas com pouco físico. As crianças também comiam e gostavam. Era a forma que os pais encontravam de obter melhor rendimento no trabalho. Seria?
O que são as sopas de cavalo cansado? Tão simples como colocar, numa tigela, pedaços de pão velho embebido em vinho tinto, açúcar, canela e para ficarem mais nutritivas um ovo crú.
As papas laberças nasceram a partir das sobras da sopa de nabos. Com o resto da sopa que sobrou coloca – se água, sal e azeite. A farinha de milho deve deitar-se em chuva para não ter


grumos desagradáveis. Fica uma papa mole que se come com sardinha assada por cima ou toucinho frito ou ainda com bacalhau assado.
Papas de carolo, muito utilizadas no interior do país. São feitas com água, um fio de azeite e farinha de milho, numa “ moedura” que os moleiros na época não gostavam de fazer. Tinham que subir a pedra da mó. Comiam-se com mel por cima ou açúcar amarelo. Penso que terá caído em desuso. Hoje faz-se uma papa semelhante com leite e polvilhadas com canela.
Papas de sarrabulho. São oriundas do Minho e confecionadas com o sangue do porco, carne de galinha, salpicão e presunto. O pão velho é mais uma vez o ingrediente principal assim como a farinha de milho e especiarias.
Papas de abóbora. Muito apreciadas, as papas de abóbora, são feitas com abóbora cozida e triturada, azeite, farinha e condimentos.
Finalmente as papas de entrudo que se comiam na Beira Baixa. Feitas de pão velho, ensopadas em água de cozer as carnes do cozido, limão,ovos e hortelã.
As confrarias, e há muitas, são associações que têm por objetivo a investigação e divulgação do património, tradições e receitas das regiões.
As confrarias tentam manter o legado histórico valorizando o território e têm a finalidade de não deixar desaparecer os usos e costumes do povo português.

Natércia Martins

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Domingo à tarde



Domingo de um agosto com sol descoberto há algumas horas já.
Sentei – me na cadeira de praia que tenho na varanda.
Àquela hora, manhã cedo e já os barulhos característicos da mata se faziam ouvir ali tão perto.
Gosto particularmente do canto das cegarregas, que só se calam no inverno. Elas conversam umas com as outras e talvez com quem mora ali perto. Há quem as sabe entender. Gosto. Pronto!
Olhei, mais uma vez o relógio, cujos ponteiros teimam em não se mover. Lentos, lentinhos para o meu gosto.
Avizinhava-se uma tarde de domingo chata, sem nada que fazer. Pelo menos não me apetecia fazer nada.
Ler um livro? Não! Escrever? Também não! Bem puxava a “ponta do fio” que teimava em não aparecer. Quando o fio aparece as palavras saem em catadupa. Não era o caso. Nada!
Peguei na chávena vazia do café que bebi e que me soube tão bem. Ao menos isso.
Já que ideias não havia nada.
A chávena deu uma série de voltas na minha mão. Vá lá não caiu! Mas ideias …… Nada!
Do fundo da rua alguém chamou.
__ Bolas! Num domingo de manhã, com tanto calor e já me chamam.
Não me apetecia ler, não me apetecia escrever e não me apetecia falar. Os ponteiros do relógio continuavam a não querer andar.
Tornaram a chamar. Respondi quase só para saberem que estava ali já acordada.
Do fundo da rua perguntaram:
__ Quer vir? Vamos fazer uma caldeirada à beira rio.
Respondo e vi que algumas pessoas me esperavam ao fundo da escada.
Levavam uma panela, uma trempe para a fogueira, e a parafernália de instrumentos de cozinha.
Também levavam cebolas, batatas, pimentos, alhos. Enfim! Tudo o que era preciso para a dita caldeirada.
A fome ia connosco. Vi que levavam uma bola e muita conversa. Isso era bom.
Chegados à beira rio, apanharam uns gravetos que por ali havia e fizeram uma fogueira acautelada por pedras, não fosse o fogo “fugir”.
A Senhora Adelina tomou conta da situação. Vagarosa, sem pressas colocou a panela no fogo, cebola às rodelinhas, as batatas, o tomate, a salsa, o pimento, etc etc.
O peixe entrou cuidadosamente. Primeiro o mais firme. Depois o mais delicado
A panela fervia num fogo lento. Ali não havia pressas. Afinal tínhamos a tarde de domingo por nossa conta.
O cheiro da panela aumentava a nossa vontade de almoçar também. E a caldeirada não havia jeitos de sair.
A cozinheira abriu a panela. Que rico cheirinho.  A panela fervia agora mais lento ainda. A apurar!
Jogámos à bola, à corda, ao pião e finalmente a bendita caldeirada.
Estava boa. Muito boa! Eu que gosto pouco de tal prato.
Já noite fechada votámos para casa. Passei uma tarde de domingo sem me lembrar que, quando saí da cama não me apetecia fazer nada.
Belíssima aquela tarde.
Quando voltamos?

Natércia Martins

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Estrelas e planetas




Estrelas e Planetas

Fez um percurso normal na escola, denotando já preocupação e vontade de estudar a Natureza. José foi um bom aluno, apesar de não ser estudante muito acima da média. Já, nesse tempo se preocupava com a observação das plantas e animais. Era alegre e parecia estar sempre a gozar com o professor.
Respostas rápidas e sempre a tempo.
Ainda em criança e depois adolescente gostava de fazer campismo e junto com os pais e irmãos correu muito do país. Assim, em contacto com a Natureza, viu que o ar é mais leve e a noite mais atractiva que a ruas iluminadas da cidade.
Sentava-se junto da tenda e ouvia o silêncio do parque. Tudo sossegado e as estrelas lá em cima como pontinhos brilhantes que bordavam o céu.
Na verdade, cada pontinho brilhante faz parte de um grupo com formas geométricas. Descobriu a Ursa Maior, Ursa Menor, Cassiopeia e Orion e muitas mais constelações.
Mais tarde, com dinheiro que foi amealhando, comprou uns binóculos. Passou a observar a lua, redondinha, cheia, cravada no céu. A lua sorria-lhe e ele sorria para ela.
Convidou o amigo Luis para passar um fim-de-semana no campismo. Este só conhecia a noite na sua rua. Perto de casa. Admirou-se, porque as paredes da tenda eram de pano e a cama no chão. Mesmo assim, gostou de observar o céu como nunca o vira. Era lindo!
E o gosto foi-se avolumando.
José ouviu a notícia que, numa noite de lua nova, ia acontecer uma grandiosa chuva de estrelas. Mais uma vez pesquisou no computador. A chuva de estrelas não é mais que meteoritos que ao entrar na atmosfera se desintegram em pequenos fragmentos incandescentes, dando a ilusão de estrelas a mudar de sítio. Muita gente ainda pensa que são estrelas cadentes e é costume pedir um desejo, enquanto deixa atras de si um rasto de fogo. E ele também pediu um desejo, muitos desejos, perdidos na sua cabecita de adolescente.
Tantos desejos como estrelas cadentes que viu naquela noite. E foram muitas.
O tempo foi passando e o gosto pela observação agudizou-se. Pesquisou e comprou revistas.
Como todos sabemos a aldeia é cheia de lendas em que bruxas e lobisomens são os principais actores.
O meu vizinho, sentado sentado na soleira da minha porta, numa noite quente de Agosto contava histórias. É um bom contador de histórias.
Contou, numa dessas noites, que no cruzamento ao fundo da ladeira as bruxas se juntavam em grandes farras em noites de lua cheia. E contava, também, que o patrão delas, cornudo e pés de cabra as acompanhava nas danças à volta de uma grande fogueira.
Dizia conhecer um homem da aldeia, que sentado à lareira, via passar todas as noites, à sua frente, uma galinha pedrêz. Uma noite, já farto, arrumou-lhe com a tenaz do lume. A galinha desapareceu, mas a mãe dele, de manhã, estava de cama com uma perna partida. Concluiu que a galinha que lhe passava em frente todas as noites era a mãe transformada em bruxa e também dançava todas as noites, ao fundo da ladeira, com o tal cornudo com pés de cabra.
Com estas e outras histórias semelhantes se faziam os serões, no verão, à porta da rua.
Numa noite escura de breu, o José convidou o vizinho Luis para mais uma observação observação lá em cima, no barreiro, perto do pinhal. Dizem que andam por lá almas penadas (estas andam por todo o lado), bruxas e labisomens.
Montaram o tripé, os binóculos e um pequeno telescópio. O canto dos grilos e o piar de um mocho, cortou o escuro. De resto, o silêncio.
Sem se fazer ouvir um outro vizinho cuscuvilheiro, foi, de mansinho, ver por onde andavam os rapazes. Aproximou-se. O luis, brincalhão, escondeu-se.
O homem quis ver pelos binóculos. Sentiu uma ponta do casaco a ser puxada devagarinho. Soltou um suspiro. Arrepiou-se. Era verdade! Duvidou. Outro puxão no casaco. As bruxas!
Desatou a correr e só parou quando os rapazes desataram a rir às gargalhadas.