domingo, 4 de abril de 2010

Confissão


Luisa chegou e sentou-se no banco comprido, ao fundo da igreja. No local mais escuro, junto ao altar de Santo António.

Virou a cabeça e olhou o Santo. Ele sorriu-lhe com um olhar maroto na face rosada.

Pensou: É hoje. Vou confessar-me.

Uma mulher velha entrou, ajoelhou-se e sem notar na rapariga, puxou o terço de dentro do bolso do avental, desfiando avé-marias e padre-nossos, quase mecânicamente.

Mais uma ou duas velhotas vestidas de luto, velhas “ ratas de sacristia” entraram também.

A rapariga encolheu-se dentro do casaco de malha que ela própria tricotou.

Estava decidida ! Ia mesmo confessar-se.

O coração sobressaltou-se. Bateu como a querer saltar do peito.

O padre entrou, alheio às mulheres que rezavam absorvidas nas orações. Muito menos reparou no vulto sentado perto da imagem do santo.

Depois de uma breve oração abriu a porta do confessionário e entrou.

A primeira mulher levantou-se e ajoelhou na parte de fora do confessionário.

Cochichou alguns pecados e saiu com a penitência do costume. Uma data de avé marias e já estava perdoada.

A segunda, a terceira, outra e mais outra que entretanto também vieram à confissão.

O padre deu um suspiro de saturação Eram sempre os mesmos pecados e as mesmas mulheres. Aquilo era uma chatice !!!

A rapariga lá ao fundo da Igreja, sentada no banco, no escuro ficou sozinha.. A medo levantou-se e dirigiu-se ao confessionário.

Pelos buracos viu um padre jovem e bonito.

Encostou a cara para poder falar à vontade. O padre, habituado aos pecadilhos das velhas não ligou muito. Só levantou a cabeça quando uma voz jovem lhe sussurrou:

__ Padre, perdoe os meus pecados ....

Olhou e viu a rapariga que conhecia vagamente da missa dominical.

Afiou!” a vista e chegou a cara mais perto da parede quase transparente do confessionário. Um olhos negros e pestanas longas, ali mesmo, pertinho.

Perturbou-se. Chegou ainda mais perto. Afinal era um homem igual a tantos outros. Aos outros todos. A sua condição de padre proibia-o de qualquer emoção mais forte.

Quis desviar o olhar, mas não conseguiu.

Olhou mais uma vez. E outra. E ainda mais outra vez.

Não ouviu nada tal foi a emoção que sentiu. Estava ali um anjo, não tinha dúvidas.

Desconfiado olhou em volta para os altares. Algum querubim podia ter-se desprendido e ser ele que ali estava. Mas não !

Aproximou ainda mais a cara da parede cheia de furinhos. Agora ouviam a respiração um do outro. Ofegante.

Quanto tempo ficaram assim ? Nem um nem o outro tiveram consciência disso. Sem nada dizer ela levantou-se do degrau do confessionário e saiu, apenas com uma pequena oração rezada à pressa.

Ele ficou dentro quietinho e mudo à espera que ela saisse da Igreja.

Passou algum tempo sem se voltarem a encontrar.

Um dia, no café, na mesa lá ao fundo, junto à parede de costas, lá estava ela.

Sentou-se na mesma mesa. Pediu um café.

Foi quando reparou que os olhos dele eram verdes-esmeralda. Lindos, lindos, lindos.

A conversa foi banal. Apenas palavras de circunstância e pouco mais.

Os encontros começaram mais frequentes.

No altar, na missa, ele parecia um Deus.

Lá de cima ele olhava-a sempre que precisava de enfrentar a assembleia. Os olhares cruzavam-se. Faiscavam.

Uma tarde quente de Verão, depois de um café, foram andando, lado a lado.As mãos tocaram-se ao de leve. Um arrepiozinho, frio como se uma navalha percorrece toda a coluna vertebral tanto de um como do outro ..... Sentaram-se no banco do jardim. Atraídos deram o primeiro beijo. Queimava !. Mas acharam que era pouco ! Afinal ele era padre, mas tão homem como qualquer outro . ...

A noite era de lua cheia. Iluminava o jardim, as portas e janelas da vila. Entraram na casa dela, quase sem dar por isso.

Quando abriram os olhos, deram-se conta que estavam nus em cima da cama.

Sonho ou realidade ? António estendeu a mão de forma a que o mamilo dela se encaixou entre os dedos. Luisa nem se mexeu. Sonhava ainda.

Já com outras experiências sexuais, aquela foi uma primeira vez especial. Um prazer muito diferente encheu o seu todo. Tinham feito amor os dois. Para ele foi ainda mais diferente. Era a sua “ primeira vez”. Sentiu que os sentidos estavam todos lá. Mais uma vez com todos os sentidos à flor da pele, mas de uma forma agradável, boa, confortante.

Meigo e inteligente, sabia que o facto de estar ali, deitado com as mãos entrelaçadas agora no cabelo dela, seria no mínimo, pecado. Calados, absorvidos, cada um nos seus sentimentos.

Ele nunca tinha visto uma mulher nua. Mas não se intimidou.

A mão voltou a percorrer os seios dela, escorregou pela barriga e veio quedar-se no local próprio cheio de sensualidade. Bonito. Agradável !

Ao tocá-la o coração bateu mais forte, ainda.

Mais uma vez as bocas se uniram num beijo doce e longo. Mais uma vez a sensualidade daqueles corpos unidos, suados e cheios de energia palpitavam de desejo. Mais uma vez fizeram amor, rebelde e sem regras.

Exaustos, quedaram-se.

Foi então, que ele falou:

__ Casa comigo. Fica comigo.

__ Não posso. Esqueceste-te que és padre ? Os teus votos ?

__ Não importa. Eu saio da igreja e procuro emprego.

A conversa ficou por ali.

Já noite alta, ele saiu e foi para casa.

Mais dias, tardes e noites se seguiram sempre com a mesma sofreguidão de amor, luxúria e desejo.

Verão quente ! O Verão é assim Despe as raparigas. E ele olhava para para os ombros nus dela durante a missa, como se ela fizesse parte da própria igreja.

Luisa, lá do fundo olhava os seus olhos verdes e não aguentou mais.

Encheu-se de coragem meteu toda aquela vida dentro de uma caixa e rumou a uma outra cidade. Longe, muito longe. Nunca mais se encontraram. Ficou a recordação que hoje ainda mora no peito de ambos.




Natércia Martins

2009