sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

As cegonhas

Que seria da humanidade sem um pouco de fantasia ?

Quando somos pequenos e lemos as velhinhas histórias de animais que falam e têm emoções ou ainda lendas de castelos encantados, a imaginação funciona como se de verdade se tratasse.

É o que se passa, por exemplo, com as manchas da lua. Será que é mesmo a cara de um homem com um molho de silvas às costas, porque as cortou num Domingo ?

Conheço um homem que ao Domingo não pega sequer numa forquilha. Tem medo de, quando morrer, ir parar direitinho à lua ou a um outro sitio assim, esquisito.

A minha imaginação, está ligada às cegonhas. Sempre foram transportadoras de bébés.

Poi é. As cegonhas transportam os bébés numa fralda pendurada no bico. Cruzam mares e florestas vindas não se sabe de onde e pousam suavemente numa qualquer chaminé que emerge de um qualquer telhado.

Um pássaro grande, com asas enormes, abertas, bico grande e aguçado.

De onde vem toda esta fantasia ?

É o que noutros tempos ensinavam às crianças pequenas. A imagem nunca se desvaneceu por completo. Quando era pequena os bébés vinham no bico da cegonha, de dentro de uma couve ou apareciam num cestinho debaixo da nespereira.

Atempadamente vim a saber que a realidade não é esta mas, dentro da minha cabeça a fantasia continua.

Hoje tenho três filhos e uma neta que evidentemente não apareceram em qualquer destas circunstâncias ......

É tão bom termos as nossas fantasias. Fantasias destas ....Mal de quem não tem a felicidade de sonhar A vida é tão dura. Somos azedos, temos invejas uns dos outros, somos indiferentes à beleza dos campos, dos animais, das flores. Romantismo a mais ? Não ! Apenas pondo a imaginação a funcionar e olhando a maravilha de tudo o que nos rodeia.

As crianças hoje sabem tudo. Ainda bem ! A televisão tem sido um bom veículo de ensinamentos. Já não há a inocência de outrora. Tudo era tabú. Tudo era ignorado. Até as coisas mais simples, insignificantes. Quando por nós próprios descobriamos, que desilusão ! .....

Não me lembro quando, ou como descobri a forma como os bébés são feitos ou como nascem. Vinham no bico da cegonha. Pronto !

Qualquer pergunta sobre assuntos “proíbidos” era respondida com um azedo: “ Não sei . Logo saberás. Não é para a tua idade”.

Como não havia outra informação que a da rua, era aí que se descobriam muitas respostas que hoje são respondidas de uma forma séria e até científica.

Quando pelas primeiras vezes atravessei os Campos do Mondego e comecei a ver cegonhas, a minha cabeça povoou-se de imagens da minha infância, longínqua.

Lembro-me de ver a minha mãe com uma enorme barriga. Ia ter um irmão ou uma irmã. Só isso ! Nunca ninguem me explicou porque é que a barriga crescia e como. Um dia, frio de Novembro, levaram-me para casa da minha avó, onde, na verdade, sempre dormi. Mas naquele dia fui antes de jantar, portanto, mais cedo.

A hora, a mim, tanto me fazia. Afinal era ali que dormia sempre .... As horas .... Essas .... Era-me indiferente. Devia eu ter uns cinco anitos. A minha mãe com a sua grande barriga, contorcia-se com dores. Explicação ? Nada! Nadinha!

Na minha inocência fui dormir e sonhar.... De manhã, quando me levantei a minha avó tinha saído mas as outras pessoas cheias de “ salamaleques” comigo iam e vinham tanto à cozinha como aos quartos de dormir sem grande justificação. A criada velha, sentou-me nos joelhos e declrou que a minha mãe tinha tido um bébé. Imediatamente a minha imaginação viu uma cegonha enorme com uma fralda pendurada no bico e entrar pela chaminé. Claro! Estava na hora !

__ Quero dar milho à cegonha!

__ Não pode ser. Já foi embora !

__ Mas ela tem que esperar por mim. Eu queria dar milho à cegonha que trouxe o bébé.

Corri estrada acima até a casa onde morava a minha mãe. Era perto. Lá estava ela, na cama, com o bébé que dormia ao lado. Corri à varanda à procura da cegonha. Nada ! E o maior dos mistérios: abarriga da minha mãe tinha desaparecido. Não relacionei os factos. Eu queria dar milho à cegonha ! Desatei numa gritaria que o meu pai deve ter acalmado com um berro. O “ cachopo” era feio... Muito vermelho e dormia. Dormia ....

O tempo foi passando na sua cadência natural. Os anos passaram com tempo e a mesma cadência.

Hoje, já velhota, passo pelas “ minhas” cegonhas e observo-as. Deambulam por cima dos campos cultivados de milho e arroz. Observo os seus ninhos lá no alto, no cimo das árvores ou nos postes. Nunca me canso de olhar. Uma ou outra passa mais perto da minha cabeça. E o pensamento surge: Onde será que vai levar o bébé que traz no bico pendurado numa fralda ?


Natércia Martins

Zé Matias

Na minha aldeia sempre foi difícil viver. Lá pelos anos 50 ou 60 ainda não havia luz eléctrica ou jornais. As notícias passavam de uns para os outros . Chegadas à 5ª ou 6ª boca iam ficando distorcidas fazendo fé ao velho ditado de que “ quen conta um conto acrescenta um ponto “.

A loja do Zé Matias era ponto de encontro. A loja enorme ( seria mesmo ? ) comprida e com um balcão de madeira em forma de L, encerado pela velhice e pelas mangas dos clientes que a ele se encostavam. Um banco comprido, colocado estratégicamente colocado ao meio da loja permitindo conversa para todos os pontos.

Só à Segunda feira entravam mais clientes vindos das aldeias vizinhas. Era o dia de mercado semanal. Nos outros dias era um marasmo.

Na loja do Zé Matias vendia-se de tudo: tecidos, fitas de nastro, sabão amarelo e azul, pimenta, massa,arroz,escovas, pregos e parafusos.

P Zé Matias não era velho. Tinha uma careca luzidia. Era barrigudo e pachorrento. A mulher muito mais nova, de porte elegante usava um carrapito no alto da cabeça, com feitios feitos com o próprio cabelo que se assemelhavam a asas de pato. Impecável todo o dia.

O meu pai era cliente habitual. Pela tardinha ali se juntavam a saber as “ novas “ do dia.

Julho ... tarde de calor .... sem novidades dignas de nota Beliscava-se neste e naquele. Sempre o mesmo...

À porta assoma uma cigana. Saias rodadas e compridas. Avental a cobrir toda a vestimenta.

A medo entrou na loja acompanhada de uma outra vestida da mesma forma.

Todos os olhos se viraram. Silêncio absoluto. Chegarm-se as duas ao balcão. O Zé Matias levantou-se, espreguiçou-se, abriu a boca e foi caminhando para o lado de lá do balcão.

Elas foram pedindo:

-- Dois tostões de café, meio quilo de arroz, um quarto de açucar e sabão.

Levantou o avental onde trazia uma panela

-- Senhor José, ponha aqui para dentro. Assim não se entorna nada.

Concordou. Ia colocando tudo com a calma de quem não tem nada que fazer.

Quando chegou a altura do pagamento, a cigana tirou a panela e colocou-a em cima do balcão, com muito cuidado, dizendo que não trazia dinheiro que chegasse. Ia lá fora pedir ao marido.

Com certeza. ! Claro ! E saiu para ir buscar o dinheiro.

Já de noite, o meu pai passou por ali e o Zé Matias ainda tinha o estabelecimento aberto. Estranho !

-- Senhor Nunes, estou à espera da cigana. Ainda não apareceu. A panela continua ali. Não fecho a porta porque as coisas podem fazer-lhe falta.

-- Olhe lá, Já espreitou lá para dentro ? Disse o meu pai já a sorrir.

O homem ficou vermelho. Com cuidado tirou a tampa, mas a panela, além de não ter nada dentro, tambem não tinha fundo.

P Zé Matias ia aviando a freguesa para dentro da panela e por sua vez tambem para dentro do avental.

A cigana foi esperta e ...... aviada.


Natércia Martins



sábado, 20 de janeiro de 2007

Duas rosas vermelhas

Sentava-se sempre no mesmo banco do jardim, ali na praceta da cidade grande.

Há quantos anos ? Muitos .... muitos que já passaram .....

A vida levou-o para lá , pela mão de um filho, que ali casou, ali morava, mas, como a casa é pequena, teve que se “hospedar” num lar de idosos.

Sempre cuidou muito bem de si. Limpo e saudável, não dispensava o seu lugar cativo naquele banco do jardim.

Quando o tempo não permitia ficava no lar a conversar, jogar dominó ou cartas, ou mesmo só vendo televisão.

Cada pessoa tinha histórias para contar, aliás como toda a gente tem. Umas mais ligeiras, como ligeira foi a vida, outras mais complicadas, como algumas vidas o foram Todas têm o seu valor.

Por vezes, também ele, mergulhava nos seus pensamentos. Ninguém conhecia todos os detalhes. Gostava de recordar mas não gostava de contar Afinal as histórias eram só suas... bem guardadas dentro da sua velha cansada e branca cabeça.

Naquele dia, sentado no “seu” banco pôs-se a recordar muitas coisas. O dia estava lindo. Era Outono. As folhas amarelas e castanhas dos plátanos espalhadas pelo chão lembravam um tapete de Arraiolos, bordado por mãos habilidosas e frágeis.

Enquanto mais novo gostava de dar uma volta pelas ruas, vendo as montras e olhar as pessoas que numa constante pressa, com os sacos cheios, na mão, se dirigiam a casa, vindo dos empregos ou das compras.

Agora, não podia por causa do maldito reumatismo, e do joelho que também não ajudava e dificultava o andar.

Novo, bonito, elegante, com a palavra na ponta da língua não perdia ocasião de um “piropo” às raparigas. Elas riam, contentes, a fingir-se envergonhadas, com os elogios. Mas havia uma, que passava sempre de manhã. Ele sabia disso, e vinha ainda mais cedo, para a ver passar.

De galanteio, em galanteio. De “piropo” em “piropo” umas vezes com resposta, outras nem por isso, foram começando a conversar. E conversavam de manhã, à tarde ou ao Domingo, quando havia tempo. E o tempo para a conversa foi alargando, alargando.

Ela era muito bonita. Cabelos longos, pretos espalhados pelos ombros. A boca vermelha e como pintura, apenas um leve risco preto nos olhos expressivos.

Apaixonados, quantas vezes juraram amor, Combinaram casamento. Imaginavam-se juntos, na velha aldeia, na sua casinha branca. E os dias iam passando, sempre ansiosos por mais uma conversa enquanto se dirigiam a casa.

Ele, pelo caminho, colhia no parque ou num qualquer jardim duas rosas vermelhas que lhe entregava no início de cada encontro.

E ela, ao receber as rosinhas, ria numa gargalhada sonora e límpida. Sonhavam todas as noites com o “grande dia”

A vida foi rolando devagar. Ele foi foi fazer vida militar e por lá ficou procurando melhor nivel de vida.

Mas como a distância é inimiga do amor foram-se iniciando outros conhecimentos. E o tempo foi passando, passando, até que ambos se casaram.

Ela, esquecida daquele louco amor, encantou-se por um homem “ bem posto” que lhe prometeu estabilidade na vida.

Ela, com uma rapariguinha bonita e alegre da cidade. E mais uma vez a vida foi rolando, rolando ....

Nunca mais se encontraram. A vida é assim. Sem querer prega-nos partidas. E que partidas ..

Num Domingo de Outono, Joaquim foi com um dos filhos à sua aldeia natal ao casamento de uma filha deste, portanto, sua neta.

Deu uma volta pelas ruas, agora mais bonitas e calcetadas, outrora de terra batida.

Recordou e não podia deixar de rever na memória, os seus tempos de juventude Mais uma vez a rapariguinha, sua antiga namorada lhe veio à lembrança. Deambulou por ali. Já só as pessoas mais velhas o conheciam e cumprimentavam. E ele ia recordando , recordando, até que as pernas cansadas se quedaram junto de uma porta fechada. Sentou-se no degrau. Depois de uma pequena pausa, olhou em volta. Ninguém passou. Levantou-se. Olhou em volta. Mada nem ninguém . A tampa mal fechada do contentor do lixo, mostrava, duas rosinhas vermelhas, pequenas, lindas, lá dentro, presas a um ramito velho que alguém podou, levando-os para lá.

Levantou-se e tirou os dois botõezinhos, colocando os a par na soleira da porta fechada.

Dirigiu-se, então, para a Igreja, onde a cerimónia estava prestes a terminar, com um sorriso nos lábios e o coração a saltar de alegria.



Natércia Martins

2007

domingo, 14 de janeiro de 2007

História de Natal

História de Natal


Toda a gente o conhecia. Vindo sabe-se lá de onde aparecia sempre pelo Natal, época em que o lagar de azeite funcionava.

Sentava-se em frente à fornalha, indo embora apenas quando a última brasa se apagava.

Como chegava, desaparecia: em silêncio.

Durante o tempo de permanência no lagar, contava histórias. A seu lado uma caneca com café que os lagareiros faziam, mas que repartiam com ele. Ia bebendo em pequenos golos sorvidos com um barulho semelhante a musica num gira-discos velho e roufenho.

Um dia deu ao meu irmão pequeno, na época, umas pedrinhas ovais e pintalgadas de azul. Disse-lhe que eram ovos de anjo.

No meio das suas histórias contou-nos que há muitos anos nasceu uma criança, linda, rodeada de anjos, pastores e reis vindos de longe guiados por uma estrela.

De todos recebeu presentes, levados com carinho e algum sacrifício.

Os caminhos encheram-se . Todos queriam ser os primeiros a chegar. Ninguém notou, mas com eles e da forma que pôde um pequeno aranhiço, também rumou à pequena gruta.

Quando chegou e ainda sem Ninguém notar a sua presença, deu conta que não tinha nada para oferecer.

Subiu para um arbusto e toda a noite teceu uma teia enrolada aos ramos frágeis

De manhã estava pronta e com as gotinhas de orvalho brilhava ao sol parecendo prata e ouro.

Enquanto a vida do lagar corria numa lentidão própria do esmagar e caldar, o azeite corria em bica para a “ fonte”. Aí o lagareiro mexia com uma vara fininha de marmeleiro, a ver onde a água-ruça se separa e começa o azeite, doirado, amarelinho .

E nós bricando por ali, passávamos o tempo E havia sempre mais uma história.

Contou que, uma vez, num Natal qualquer, sem lugar para onde ir e sem família se sentou frente à lareira, junto a um presépio, em casa do pai, falecido há tempo. Sentou-se e acomodou-se. Mais uma vez olhou para o presépio. Arregalou os olhos quando viu que as figuras começavam a movimentar-se. As ovelhas, com fome, comiam as pontas dos arbustos. O pastor corria não deixando o rebanho tresmalhar. O forno incandescente cozia pão que a mulher amassava numa gamela lá atrás. O moinho girava as velas movidas a água de um regatozinho feito com prata de chocolate.

Nossa Senhora e S. José sorriam, sentados junto à manjedoura onde a vaca e o burro aqueciam o Menino com o seu bafo. Um galito empoleirado num campanário, cantou anunciando a meia noite

O Menino, deitado na palha da mesma manjedoura e vestido com uma camisa feita de tecido branco de cetim bordado a ouro, sorria também.

Lentamente o Menino levantou-se e veio sentar-se no seu colo. Aninhou-se nos braços e ....... adormeceu .

Ali ficaram ambos, até que sentiu um líquido quente a escorrer-lhe nos joelhos.

Acordou !!! Tinha adormecido ! Já era manhã !

Olhou, de novo, para o presépio. Tudo na mesma. Nada estava fora do local onde os colocara antes. Firmou-se melhor no Menino, ainda a tempo de ver o pé pequenino e descalço, mexer como que a esconder a ponta molhada do vestido branco, bordado a ouro..

O Sol anunciou que já era manhã. Uma manhã ensolarada de dia de Natal. A fogueira ardeu até ao fim e ele ali ficou a pensar que tinha sido um Natal bem diferente de todos os outros Natais


Natércia Martins ------ 2006 ------





sábado, 13 de janeiro de 2007

Cá estou eu

Entrei hoje a ver como isto é. Sou nova no assunto.
Sou curiosa en muitas coisas Embora a idade gosto de aprender cada vez mais.