Nas aldeias, a cama dos animais sempre foi feita com mato. Há que o roçar, colocar em paveias e transportá-lo para casa. Trabalho duro, sem dúvida. Mas alguém tinha que o fazer quando ainda havia gado nas cortes. Hoje os tempos mudaram e poucos são os que ainda conservam animais e roçam mato.
Era, também, costume colocar o mato em valas fundas na rua a fim deste “ curtir” com a passagem dos animais e pessoas que além de o pisar, também deixavam os dejectos. Não era preciso adubo, que hoje se usa.
Os homens e mulheres iam para o pinhal, com enxadas e roçavam o mato, que picava e feria as mãos cheias de calos.
No degrau da minha porta, numa noite de lua cheia e depois de um dia em que o calor suou os corpos, ávidos de um pouco de fresco do pôr do sol, o meu vizinho Alfredo contou mais uma das histórias que todos conhecem mas gostam de recordar uma vez, outra e mais outra.
Andava o Ti Albano e o Ti Salvador calados na tarefa de roçar o mato que nascia rijo e forte no meio dos pinheiros. Só se ouvia o bater da enxada e uma ou outra palavra trocada entre ambos. O calor apertava e as cega-regas no seu canto monótono insensíveis e esquecidas de tanto calor .
Ouviram uns passos lentos e leves. Ao mesmo tempo olharam para trás Ao fundo, bem ao fundo, meia dúzia de casas encravadas na secura do pinhal e do mato seco.
A água sempre escasseou naqueles sítios. Olharam mais de perto. Era uma senhora, bem vestida e com ar cansado. Pediu água. Um púcaro de água. Os dois homens olharam para o cântaro e os dois pensaram em simultâneo que a que o cântaro tinha era pouca. Estava, a bem dizer, no fundo. Se ficassem sem essa .... teriam que ir buscar mais . E a fonte que ficava bem no fundo da ladeira ..... Longe ...... E ainda por cima carregada às costas ..... Não ! Não havia água para ninguém !! Responderam-lhe:
__ Há água, mas só para quem trabalha ! ....
A senhora olhou mais uma vez para os dois homens e desapareceu.
As enxadas continuaram a bater no chão duro, derrubando paveias de mato.
Olhando para trás a surpresa foi grande. O cântaro estava cheio de água e tão cheio que escorreu , molhando o chão antes seco, mas todo o mato roçado desapareceu empilhado bem no cimo de um monte de pedras, inacessível, escorregadio, sem possibilidade de o tirar de lá, ficando assim anos a fio, sem nunca ninguém entender como foi ali parar.
A história que os dois homens contavam, ficou na memória das pessoas, perdida até hoje e só relembrada de tempos a tempos por alguém que com uma pontinha de emoção a conta numa roda de gente que imagina como tudo isto terá acontecido.
Pensando bem, lenda é lenda ....acreditamos ou .... talvez não !!!!!
Natércia Martins
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