Moro na aldeia. Pensando bem
sempre morei na aldeia. Não esta onde agora estou mas outra ou outras.
Não são todas iguais. Mas
todas têm vizinhos.
Os vizinhos também não são
todos iguais. Sempre me dei bem com todos fossem de uma aldeia ou de outra. Mas
isto também não é fácil e não é para todos. Há que manter uma filosofia de vida
que, penso, tenha necessidade do equilíbrio.
A vizinha que nos vem, já de
noite, pedir uma perninha de salsa. Outra que espreita por detrás da cortina
como se estivesse invisível. Há as que, porque o menino deu uma volta de
bicicleta, tirou o vaso das flores do lugar. Há as que ralham por tudo e por
nada.
É a aldeia onde tudo se sabe.
O galo canta de manhã cedo
quando o padeiro deixa pendurado num prego na porta, o pão do dia. As ovelhas
que saem da corte para o pasto com o pastor de cajado na mão. Elas seguem já
com o caminho sabido de tanto calcorrear. O pastor leva-as com um palavrão
deitado ao ar como se elas o entendessem. O cão é o companheiro da jornada
tanto do pastor como das ovelhas. Lá andam pelo mato a tasquinhar as pontas das
ervas verdes. No fundo do saco de linhagem vai o almoço dos dois: pastor e cão.
Broa, um naco de chouriço, uma garrafa de vinho.
Quando cai a noite, as ovelhas
e pastor regressam a casa, fartas e de barriga cheia.
A vizinha aproveita e com o
ouvido alerta, escuta o que se passa em casa da outra vizinha. Interessada em
saber se o homem da casa já chegou ou se vinha com um copo a mais.
Na cidade ou na vila estas
situações ou não se passam ou também ninguém dá conta delas.
Na aldeia não é assim. Quase
todos pertencem à mesma família mesmo os que não são, passaram a
considerarem-se como tal.
São primos ou compadres.
Na aldeia as raparigas ou os
rapazes casam e ficam a viver perto dos pais. É um hábito antigo, que se vai
perdendo com o tempo.
Semeia-se o grão e este
germina até à colheita. Sempre em vigilância permanente dos donos. Na colheita
quase todos colaboram. Lembro-me das descamisadas do milho feitas na eira. Toda
a gente ajudava. Quando a espiga vermelha aparecia era um abraço, de quem a
encontrava, a todos os presentes. Um rapaz, ou até a rapariga, espertos,
levavam uma dessas espigas no bolso para ir dar o abraço da “praxe”.
As debulhas também eram uma
festa semelhante. Todos os vizinhos se reuniam em constante ajuda. No fim e
para “rematar” as colheitas fazia-se o bailarico. A eira que serviu para a
descamisada ou debulha era transformada em sala de baile. As saias rodopiavam
enquanto elas se perdiam nos braços do rapaz, namorado ou não. Tudo isto
supervisionado pelas mães atentas, ou não, na conversa com a comadre.
Era ali que numa conversa dita
inocente entre elas que saiam as novidades. Tudo era, ou ainda é, esmiuçado até
à medula.
Os homens entretinham-se na
taberna improvisada numa mesa com toalha de plástico, “manhosa” dos pingos de
vinho caídos dos copos cheios, atravessados aqui e ali pelo palavrão dito para
se afirmar de entre os outros homens.
Conversa de comadres é outra.
__ Sabias que a Joaquina
namora com o Fernando?
__ Eu não! Fingia- se admirada,
quando já estava fartinha de saber.
A outra sem querer ficar sem
uma novidadezinha ripostava:
__ A Francelina apareceu de “
barriga”. Sabes quem é o pai? Ela nem namora!
__ Não sei, não!
A aldeia é mesmo assim. Podem
mudar as pessoas, adquirir outros hábitos mas no fundo, nada muda.
Natércia Martins
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