quarta-feira, 29 de abril de 2015

Maria da Glória

Conheço a Maria da Glória há montes de anos. Era minha vizinha. Posso dizer que a conheço desde sempre. Mulher de estatura pequena, magra, muito magra. Sumida pelo trabalho.
Sempre imaginei que o cérebro dela fosse mais pequeno que uma ervilha. Não pensa. Não vale a pena. Nada na vida dela valeu a pena.
Foi à escola, mas desde que aprendeu a ler e a escrever um pouco, o pai levou-a para casa. Não valia a pena aprender mais. O que sabia chegava. Tinha que ajudar a criar os irmãos. Pelo rodar da vida sempre foi assim. Sem tempo para ela. Maria da Glória nunca saiu da aldeia.
Primeiro foi o ajudar os irmãos, lavar, passar a ferro, os animais que lhe ocupavam muito tempo. Aprendeu com a mãe a dar “ uns pontos” na roupa, fazer as suas saias e blusas. Se era preciso comprar mercearia, roupa ou qualquer utensílio, o pai ou os irmãos ocupavam-se disso.
Ela não ia. Não valia a pena.
O tempo voou tão depressa que nem deu por ele. O pai morreu e Maria precisou de ficar a dar apoio e companhia à mãe.
A mãe precisava de cuidados constantes que Maria se apressava a satisfazer. Maria! Sempre a Maria.
E o tempo foi passado sem dar por isso, como sempre.
Uma tarde quente de verão, sentou-se no degrau da casa de pedra, e viu ao longe um homem, mais velho e quando este se aproximou, entabularam conversa. Ele queria casar com ela. Maria olhou e pensando na mãe que deixou a dormir, num intervalo de descanso, disse-lhe que não podia pensar em deixar a casa.
Ele insistiu, mas ela respondeu-lhe como sempre respondeu a tudo na vida: -- Não vale a pena!
Perante a negação, ele pensou que não valia a pena insistir mais e foi embora.
Maria ouviu a mãe chamar e foi solicita atender. Precisava de um copo de água. Foi buscar e voltou para a cabeceira da mãe que entretanto adoeceu. 
Nunca visitou a campa do pai. Não valia a pena. Os irmãos iam lá.
O “canto” dela era ali. Sempre ali. Sempre foi precisa ali. O trabalho era única distracção. À noite de tão cansada colocava a cabeça na almofada e adormecia sem sonhos. Não sabia o que eram sonhos. Não valia a pena sonhar. Nem isso valia a pena!
Uma noite, noite alta e ainda acordada, olhando a janela viu um vulto a aproximar-se. Era o homem que falara com ela uns dias antes. E foi aí que Maria, começou a saber o que eram sonhos. Enrolados os dois como se fosse um corpo só, fizeram, o que Maria nunca sonhou, porque os sonhos dela não eram aqueles.
E outras noites se seguiram. Maria deixava a janela encostada para que no mansinho da noite ele entrasse e ela se entregasse ao que nem desconfiava existir.
Mas ainda havia muito mais para descobrir.
A mãe, doente e já com idade avançada cumpriu a ordem natural da vida e numa noite em que Maia, sem se aperceber, e embrenhada nos braços do homem, deu um suspiro e morreu.
Só de manhã e quando lhe iria proporcionar os primeiros cuidados se apercebeu da morte da mãe. Chamou os irmãos. Não contou a ninguém o que fazia noite alta, quando deslumbrada e esquecida de tudo, se entregava ao prazer que nunca antes conhecera de tão perto. Não valia a pena contar.
E só quando acompanhou o enterro da mãe, descobriu que para lá da sua janela, da sua casa, havia muito mais casas, muito mais vida. Havia um mundo que ela não conhecia.
Depois da morte da mãe ficou sozinha. O homem que a visitava deixou aos poucos, de aparecer. Também ela, ficou por ali, sem sair para outros lugares só porque ……… não valia a pena!
 Natércia Martins

2015

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