Ainda hoje lá está sem a imponência de outros tempos .......
O Instituto Vaz Serra ! Com um castanheiro da Índia ao fundo do pátio dos rapazes.
Como Director tinha o Dr. Gil.
O Dr. Gil Marçal era um homem austero, alto, muito alto e com farta cabeleira acastanhada.
É este o retrato físico, daquilo que me lembro dele.
Homem de personalidade forte, muito forte. Talvez, agora, as minhas lembranças o tornem ainda mais forte.
Era eu, bem pequena, quando frequentava a casa do meu pai.
Hoje, passados cerca de 50 anos, vejo-o por uma perspectiva diferente. O que sei dele não passam de memórias de criança. Sei que lá pelos finais dos anos 40 se refugiou em casa do meu avô que tinha uma quinta em Coimbra, mais propriamente no Alto de S. João. Via que, de vez em quando, permanecia calado, lendo um livro, sentado num cadeirão, ou simplesmente com a cabeça entre as mãos, pensativo.
Passando ao fundo da quinta, a linha de caminho de ferro que liga Coimbra à Lousã e havendo um túnel mesmo junto ao portão vi-o algumas vezes cabisbaixo, saindo de lá como que a fugir de “ certas visitas” que lá iam. Nunca deixou de ser amigo do meu pai.
E o meu pai sempre lhe retribuiu essa amizade. Nunca o traiu.
Quando, um pouco mais tarde, precisou de tirar a carta de condução, uma vez que até aí não era obrigatória, desde que alguém com carta , acompanhasse Foi mais uma vez, o Mendes Nunes que o ajudou, oferecendo-lhe casa e jantar, nessa mesma quinta, até que resolveu o problema.
Mais tarde encontrei-o no Instituto Vaz Serra, como director. Posso afirmar que foi ele quem escolheu os melhores professores e projectou o edifício onde se recebiam as aulas.
Percurso atribulado o dele. Dizia a minha mãe que tinha assinado em tempos “ uns papéis “Na altura de apoio a Norton de Matos e assim ficou “ marcado “ e sem poder movimentar-se com o à vontade que desejava. Mesmo assim fundou e dirigiu com mão de ferro o Instituto. Ali tínhamos que usar sempre, a farda. A de trabalho e a de passeio. Não era autorizado não trazer a gravata, o cinto ou o “ bivaque “. Quem se esquecia ou perdia, tinha que o ir buscar a casa ou então “ arranjar “ outro, por meios, por vezes, pouco ortodoxos.
Fez poesia e publicou-a. Li, há algum tempo, alguns pequenos textos que o meu pai guardou. Carregados de sentimento mas, muito velado, uma oposição forte ao regime da época. Nas entrelinhas lia-se uma feroz raiva por não poder mudar as coisas.
Só gente muito próxima entendia o que ele escrevia.
Na Rua Torta, ( hoje Rua Dr. Gil Marçal ) e na cave da sua casa, associou-se a amigos, comprou máquinas de tecer,cortar e coser e fez uma camisaria.
Ainda guardo uma caixa dessas. Chamava-se a dita fábrica: Camisaria BILAC.
Precisamente e talvez devido à perseguição de que era alvo, teve que fechar, acabando, assim com uma pequena mas útil empresa, que teria dado emprego a bastante gente.
Enquanto Director do Instituto, organizava, todos os anos uma excursão com alunos, professores e empregados.
A comida, confeccionada, na cozinha do internato era levada em enormes cestos.
Alguns Domingos ou dias de festa, os alunos internos colaboravam na missa na pequenina capela da Quinta da Águias Fardados percorriam as ruas da vila, com o estandarte em parada militar.
Sabia o comportamento de todos nós. Como sabia tudo, mesmo tudo, de cada aluno, cada professor ou empregado, não sei ! Mas lá que sabia, sabia.
Teria os seus informadores .....
Não saía muito do gabinete. Um escritório ao fundo do corredor, estrategicamente colocado, onde dava observação para todas as dependências das aulas ou internato.
E o que significava uma chamada a esse gabinete ?
Era quase uma visita ao purgatório ou mesmo ao inferno.. Perguntas e mais perguntas. E muitas vezes umas tantas reguadas com a “ menina de cinco olhos “.
Coisas que os nossos filhos fazem, hoje, e nem lhes damos castigo, ou melhor, nem sequer lhes damos importância.
Era assim um pouco, o Dr. Gil Marçal. Um pouco da memória do tempo em que foi director do I. V. S. !!!!!
Natércia Mendes Nunes
4 comentários:
Confesso, sem qualquer inibição, que escrevo estas linhas com alguma humidade nos olhos de saudades dos tempos de crescimento e aprendizagem no Instituto Vaz Serra. E até me veio à memória a água do Ramalhal!
Não acredito, Natércia, Minha Querida Amiga de uma juventude sã e feliz, colega do I.V.S., filha do professor Ten. Mendes Nunes, um dos melhores professores que jamais tive, e de uma casa para a qual o teu pai fazia o favor de me convidar de vez em quando (com acesso “vigiado” à adega sempre bem recheada adega, normalmente em companhia do Jorge Nogueira, o “Cantiflas”, e do Prior); não acredito, dizia, que passado de meio século e um périplo por 4 continentes, uma circunstância fortuita, ao digitar no Google a frase-chave "Instituto Vaz Serra anos 50", me levasse a encontrar-te na NET, escrevendo no teu Blog “Andar por cá”, sobre o Instituto Vaz Serra e esse educador sem par que foi o Dr. Gil Marçal!
Também nos reuníamos amiúde na casa da Cesaltina.
O mundo, de facto, é pequeno! E conto-te mais! Há cerca de 15 anos a empresa onde fim carreira como gestor expatriado transferiu-me para os EUA para gerir a sua sede na América do Norte. Um dia, um dos directores locais, meu subordinado, convidou-me para jantar em sua casa. Qual não foi a minha surpresa, quando ao entrar na sala de estar dou com uma foto do Dr. Gil Marçal, D. Noémia e o filho, cujo nome ora me escapa! O Fernando Condesso era sobrinho e herdeiro do Dr. Gil Marçal. Quando a D. Noémia – que visitei pela última vez aquando da reunião de antigos alunos em 21 de Mio de 2005 - faleceu o Fernando herdou o apartamento de Lisboa, onde ora reside quando lá está. O Fernando e eu, que em Cernache nunca nos encontrámos, tornámo-nos grandes amigos nos EUA. Tu és a 2.ª menina sentada - por baixo da Padrão - na fila debaixo na foto no cartaz anunciando a reunião. Os traços são os mesmos da tua foto no blog.
Se não te recordas de mim, aí vão duas dicas: Camisola n.º 3, defesa esquerda, da equipa de futebol, quer do Instituto, quer mais tarde do Viação Cernache, com o qual subi à 2.ª Divisão Distrital; último (creio) Comandante do Batalhão do Instituto e, não sendo revolucionário por natureza, líder da “revolta” das fardas – que nunca mais vesti -, quando o Dr. Gil se viu afastado por via do caso Norton de Matos.
Um grande beijo,
Sérgio
Fui o aluno n.º 192 do Instituto Vaz Serra durante 7 anos, isto é, de 1953 a 1958. Depois continuei os estudos na África do Sul (licenciatura) e nos EUA (mestrado). Pois, posso afirmá-lo, o Dr. Gil Marçal foi um dos melhores educadores e formadores que conheci em toda a minha vida.
O Instituto Vaz Serra dos anos 50, dirigido pelo Dr. Gil até 1958, assistido por um elenco de professores de alto gabarito, gente realmente com vocação para o ensino, de entre os quais o pai da Natércia, era uma instituição de ensino e formação de 5 estrelas, como infelizmente já não existem.
Que era disciplinador, era. Mas a mim não me deixou mossa nenhuma, antes pelo contrário, preparou-me para a vida e foi o alicerce para uma carreira profissional de sucesso num contexto altamente competitivo que me levou a colocações em 4 continentes, tendo por concorrentes ingleses, holandeses, belgas, franceses e americanos a quem ultrapassei profissionalmente.
Se ainda houvesse instituições de ensino em Portugal como o Instituto Vaz Serra, talvez Portugal não estivesse na cauda da UE. Nos anos 50 havia várias, não exactamente tão boas, mas algo semelhantes. Na sequência do 25 de Abril, acusadas de instituições fascistas, foram obrigadas a mudar de características.
Hoje, temos o que merecemos.
Natércia
Desculpa mas só agora , via Sérgio Lopes , é que te reencontrei .
Confirma-me o teu email .
Mnatercia@gmail.com
O Prior aqui referido pelo Sérgio era angolano , como sabes , viveu aqui em Luanda onde convivemos muito e depois do dito 25 parece que foi para o Brasil.
Um beijo
Acácio Leite ( Yustrich)
Acácio,
Correcção. Depois de Luanda, o Prior foi para Portugal, se me lembro bem "assentou" em Almada, terra dos pais. Estive com ele e com a mulher várias vezes, nos 3 meses que estive em Portugal entre a chegada de Luanda em Janeiro de 76 e a colocação em Londres em Abril do mesmo ano. Depois perdi-lhe o rasto, mas creio que continua por aquelas bandas. Pena que não recordo o nome de baptismo dele, se não rasteava-o. Nessa altura também me encontrei várias vezes com o Tó Farinha (então veterinário em Cascais) e com o Jorge Nogueira (então professor de educação física e dono de uma clínica de recuperação física em Pombal, donde é natural, e ora reformado a viver na Linha de Cascais). Éramos bastantes amigos e, como eu era de Angola, eles convidavam-me amiúde para passar aquelas férias curtas nas casas deles.
Abraço,
Sérgio
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