domingo, 19 de agosto de 2007

História de Natal



Toda a gente o conhecia. Vindo sabe-se lá de onde aparecia sempre pelo Natal, época em que o lagar de azeite funcionava.

Sentava-se em frente à fornalha, indo embora apenas quando a última brasa se apagava.

Como chegava, desaparecia: em silêncio.

Durante o tempo de permanência no lagar, contava histórias. A seu lado uma caneca com café que os lagareiros faziam, mas que repartiam com ele. Ia bebendo em pequenos golos sorvidos com um barulho semelhante a musica num gira-discos velho e roufenho.

Um dia deu ao meu irmão pequeno, na época, umas pedrinhas ovais e pintalgadas de azul. Disse-lhe que eram ovos de anjo.

No meio das suas histórias contou-nos que há muitos anos nasceu uma criança, linda, rodeada de anjos, pastores e reis vindos de longe guiados por uma estrela.

De todos recebeu presentes, levados com carinho e algum sacrifício.

Os caminhos encheram-se . Todos queriam ser os primeiros a chegar. Ninguém notou, mas com eles e da forma que pôde um pequeno aranhiço, também rumou à pequena gruta.

Quando chegou e ainda sem Ninguém notar a sua presença, deu conta que não tinha nada para oferecer.

Subiu para um arbusto e toda a noite teceu uma teia enrolada aos ramos frágeis

De manhã estava pronta e com as gotinhas de orvalho brilhava ao sol parecendo prata e ouro.

Enquanto a vida do lagar corria numa lentidão própria do esmagar e caldar, o azeite corria em bica para a “ fonte”. Aí o lagareiro mexia com uma vara fininha de marmeleiro, a ver onde a água-ruça se separa e começa o azeite, doirado, amarelinho .

E nós brincando por ali, passávamos o tempo E havia sempre mais uma história.

Contou que, uma vez, num Natal qualquer, sem lugar para onde ir e sem família se sentou frente à lareira, junto a um presépio, em casa do pai, falecido há tempo. Sentou-se e acomodou-se. Mais uma vez olhou para o presépio. Arregalou os olhos quando viu que as figuras começavam a movimentar-se. As ovelhas, com fome, comiam as pontas dos arbustos. O pastor corria não deixando o rebanho tresmalhar. O forno incandescente cozia pão que a mulher amassava numa gamela, lá atrás. O moinho girava as velas movidas a água de um regatozinho feito com prata de chocolate.

Nossa Senhora e S. José sorriam, sentados junto à manjedoura onde a vaca e o burro aqueciam o Menino com o seu bafo. Um galito empoleirado num campanário, cantou anunciando a meia noite

O Menino, deitado na palha da mesma manjedoura e vestido com uma camisa feita de tecido branco de cetim bordado a ouro, sorria também.

Lentamente o Menino levantou-se e veio sentar-se no seu colo. Aninhou-se nos braços e ....... adormeceu .

Ali ficaram ambos, até que sentiu um líquido quente a escorrer-lhe nos joelhos.

Acordou !!! Tinha adormecido ! Já era manhã !

Olhou, de novo, para o presépio. Tudo na mesma. Nada estava fora do local onde os colocara antes. Firmou-se melhor no Menino, ainda a tempo de ver o pé pequenino e descalço, mexer como que a esconder a ponta molhada do vestido branco, bordado a ouro..

O Sol anunciou que já era manhã. Uma manhã ensolarada de dia de Natal. A fogueira ardeu até ao fim e ele ali ficou a pensar que tinha sido um Natal bem diferente de todos os outros Natais


Natércia Martins

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