segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Menina Primavera

Juntaram-se todos na esplanada do café.
A relva fresca e verde dava um colorido especial ao ambiente. Quem eram ?
A Primavera, Outono,Verão e Inverno.
Casa um deles olhava com olhos gulosos a Menina Primavera que, alegre e estouvada não parava de falar e rir. Qualquer um deles, queria namorar e consequentemente casar com ela.
Ela, feliz, ria. Colocou na cabeça uns lacinhos cor de rosa e nos pés umas chinelas de taão alto.
O vestido com flores grandes, dava nas vistas. Cada um, finda a conversa, foi à vida, pensando na melhor forma de lhe agradar.
Com passadinhas miudinhas chegou o Verão, ainda “ enfeitado” com flores que sobraram da estação anterior. Com calor, muito calor levou as pessoas até à praia. Os
risos dos meninos a saltar nas ondas e a construir efémeros castelos de areia. As colheitas de frutos e cereais que amadurecem. O canto das cegarregas, animando a terra enquanto as formigas recolhem atarefadas os grãos que lhes vão servir de alimento no Inverno.
O fresco das manhãs, onde as gotas de orvalho, presas nas ervas parecem diamantes perdidos. As festas de Verão onde há cor, musica e alegria. Rapazes e raparigas rodopiando em bailes de aldeia.
Ainda despiu as pessoas fazendo mostrar os corpos dourados pelo sol. O luar de Agosto !
De tudo isto se muniu o Verão para oferecer de presente à sua amada.
Eis que, cansado de tanto esperar, apareceu o Outono.!!!!
Com a fúria dos apaixonados soprou as folhas das árvores. Varreu tudo em volta. Mas com doçura e para lhe agradar também, deixa cair as primeiras gotas de chuva. Comprou uma paleta de tintas e pintou o arco-iris no céu. A relva brotou, verdinha Contratou os vendedores de castanhas, que, contadas uma a uma, depois de assadas em grandes e quentes fogareiros, mergulham em pequenos cartuchos de papel de jornal. O fumo desses fogareiros deixam no ar uma neblina semelhante a nevoeiro ou chuva miudinha.
E foi aí que a Primavera se deixou seduzir e com muita ternura desceu à terra e fez alguns dias ensolarados e quentes pelo S Martinho.
Agora foi a vez do Inverno que chegou devagarinho, sem se fazer notar.
A Primavera teria bom gosto e seria o Inverno quem queria oferecer os presentes melhores. Trouxe com ele o frio gélido e noites pequenas. Um “ barbeiro” que nos enregela a espinha e o corpo todo !
Juntou as pessoas perto da lareira contando velhas histórias. Fez os rios e as ribeiras saltar das margens alagando tudo. Os animais, na corte, olham o campo pensando que, quando a chuva passar, haverá muita fartura de pasto.
Pensou melhor e para agradar ainda mais, pintou as serras de branco. Colocou neve branquinha lá bem no cimo dos montes. Em Dezembro colocou o Natal. Festa religiosa que os cristãos veneram na figura do Menino Jesus, nascido numa gruta por entre palas e animais.
Mais ainda. Termina um ano e inicia outro. Ninguém seria capaz de oferecer tanto !
Vaidoso, adormeceu. E dormiu bem quentinho por entre os cobertores de lã. De mansinho as flores começaram, de novo, a brotar. Os dias a crescer. E sem se dar por isso, chega Março com todo o seu esplendor.
É a Primavera que regressa mais uma vez !!
Juntaram-se todos de novo, curiosos e ansiosos por saber quem a sua menina iria escolher.
Ela olhou para os três. Riu com uma gargalhada sonora e foi embora levando consigo os sapatos de tacão alto e os lacinhos cor de rosa na estouvada cabeça. Tinha que pintar as flores, amadurecer os morangos e as maçãs. Ah! E dormir a sesta à sombra das árvores onde as folhas iniciam o processo de renascimento.
Tinha muito que fazer !!!!
Quanto a eles, ficaram por ali na conversa, lamentando ter tido tanto trabalho para nada. Nada. Não agradaram à Menina Primavera. E ainda agora o Verão o Outono e o Inverno continuam, com uma rotina que nem sempre é a mesma, a enfeitar-se, na esperança que a Primavera ainda escolha um deles para se casar.

As minhas Primaveras

Porque é que eu, no limiar do meu Outono de vida, hei-de falar da Primavera !
Embora seja uma estação do ano com encanto, a Primavera da vida não poderei já, vivê-la. Só recordar .....
E vou recordando a minha luta com os livros que ao abrir me mostravam o que de melhor havia na natureza, em outras paragens longínquas. E dou comigo cavalgando montes e vales, num cavalo branco com os cabelos ao vento, embora saindo em pensamento de dentro das páginas dos livros.
Assim conheci muito do mundo que me rodeia. Algumas primaveras e não só.
A cada página que eu ia folheando, via casas, árvores pessoas e pássaros.
E foi assim, no início da Primavera da da minha já longa vida, que despertei e conheci o MUNDO.
E a primavera renovou-se ainda mais, alguns anos depois. A Primavera renova-se todos os anos com encantos sempre diferentes.
Uma dessas Primaveras surgiu quando nasceu a minha primeira filha. Tinha nos seus olhos negros todo o brilho de dois sóis e na cara o rosado de um botãozinho de rosa.
Depois mais duas Primaveras se sucederam na minha vida: os meus dois rapazes.
Não menos rosados, não menos em flor.
E agora que o Outono da minha vida está a terminar e vou entrar na última estação: o Inverno, fez-se de novo Primavera ! Os meus dois meninos, de olhitos muito negros e faces rosadinhas: A minha Sara e o irmão Manelito
Natércia Martins

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Só a cabecita !!!!!

A Margarida Torneira era tão teimosa como uma torneira velha quando pinga, pinga e não há nada que a faça parar.
Nem uma bucha nova. Fica tudo na mesma.
Com a senhora Margarida Torneira, que Deus haja, era o mesmo. Fazia sempre a sua vontade, até mesmo quando o Sr José, seu marido, perdia a paciência, ela sempre a resmungar, até se calar.
Não tinha filhos. Mas aferrolhava tudo e fazia os possíveis e os impossíveis para não gastar dinheiro. Matar uma galinha ? Comer um ovo ? Isso era para os dias de festa E era quando, era.
Como já disse, a Sra Margarida Torneira não tinha filhos, mas gostava muito de crianças. Contava-lhes histórias longas e intermináveis nas noites iluminadas pela lua de Agosto durante as descamisadas ou debulha do milho
É que as noites quentes de Verão eram aproveitadas pelos vizinhos da minha aldeia na entreajuda dessas tarefas. Sem luz eléctrica, apenas iluminadas pelo luar ou candeeiro a petróleo, mais se ouvia do que via as espigas caírem dentro dos cestos grandes e fundos.
Nunca viu o mar. Não fazia a menor ideia como seria. Apenas sabia que era grande, fundo e azul. Nas suas histórias entrava sempre, como personagem principal, o Mar.
Porquê ? Nem ela sabia. Mesmo sem o conhecer gostava de falar dele.
E falar do mar, de areia, de peixes, de búzios, barcos e monstros no meio de serras e mato talvez fosse de uma imaginação assustadora. Era assim a Senhora Margarida Torneira.
O mercado semanal, único lugar onde se comprava e vendia os produtos da terra era à Segunda feira.
Entrava-se por um portão de ferro com enfeites em forma de lança e percorrendo um corredor empedrado ficava , de um lado o pão vendido e arrumado em cestos de verga. Os bolos em forma de bonecos de braços esticados, num cesto ao lado. Depois seguíam-se as couves, feijão verde, batatas, tremoços, cabritos e tudo mais que houvesse para comprar e vender. A lei da oferta e da procura.
Lá ao fundo, recordo bem, o monte de milho e grão de bico posto em cima de mantas da azeitona e medido com o alqueire de madeira, negro e sujo pelo tempo e pelo uso.
Do lado oposto, o peixe. Lá estavam as mulheres com caixas de sardinha acamadas e direitinhas como filas de soldados, cobertas de sal.
Contavam-nas com uma certeza que sempre me confundiu. É que nesse tempo a sardinha vendia-se por conto.
Também a Sra Margarida Torneira ia ao mercado com o marido. Única distracção. Aproximava-se da caixa da sardinha. Procurava as mais pequenas e mais baratas. Levava três ou quatro. Não precisava de mais. Chegavam para o seu Zé.
Ele bem queria que levassem mais, mas ela, teimosa, não consentia. Eram só para ele.
Chegados a casa, assavam as sardinhas nas brasas que ficaram no borralho. No prato dele luziam, com azeite e cebola picada, poisado em cima dos joelhos. O Sr José dava a primeira garfada. E era quando ela, devagarinho ia chegando o banquito de madeira para junto dele e baixinho começava:
__ Ah ! Zé, dá-me só a cabecita .....
Então ele explodia:
__ Filha da ....... comprasses mais sardinhas, como eu queria. Vai buscá-las ao mercado, sovina .....
Mas a Sra Margarida Torneira, teimosa, como uma torneira que pinga toda a noite, não ia comprar mais sardinhas, mas todas as Segundas-feiras atazanava a cabeça do marido:
__ Ah! Zé dá-e só a cabecita !!!!!!

sábado, 10 de novembro de 2007

A moda do " Grafanhoto "

Há pouco tempo estive lá. Subi devagar a calçada até à capela da Senhora do Livramento, na Portela.
A calçada pouco íngreme de pedra rolada da ribeira trouxe-me à memória a taberna do Xico Sapateiro.Pelo caminho fui encontrando as casas, hoje vazias e a cair, dos moradores de outros tempos, não muito longínquos.
A casa da D. Alzira, do Sr Benjamim, da Srª Emília e Sr Artur,do Zé Higino que era sapateiro e do Xico sapateiro que no fim de contas era taberneiro. Tinha uma varanda que servia de eira, sala de jogo da malha, de salão de baile. Ao Domingo os rapazes iam para lá jogar a malha e beber copos de vinho tinto com tremoços.
A malha de ferro voava até ao adversário no meio de um palavrão com a certeza de quem derruba por artes mágicas. Eram assim os Domingos à tarde, nas tardes calmas e soalheiras da canícula de um Verão no meio das serranias bordadas a mato e pinheiros.
E o Xico Sapateiro mais a mulher, dentro de um balcão feito de tábuas negras e surradas com lixo de anos.
Ele, homem dos seus cinquenta anos, lento, como lentos são os dias passados na aldeia, gordo e bochechas vermelhas.
Ela, a mulher, pedia licença a um pé para mexer o outro, ou seja, lenta, lentinha..... ainda mais que o marido, também de faces vermelhas, ria por tudo e por nada, enquanto as gargalhadas e conversas sem interesse se desenrolavam até bem perto da noite, hora que em silêncio se iam levantando do banco corrido colocado ao fundo da taberna.
O chão de terra batida e negro pelo pisar dos homens e das botas cardadas, do vinho entornado ia assistindo, tarde após tarde, ano após ano, sempre ao mesmo ritual.
Não havia nada, mais nada para fazer. E fui subindo a rua. Fui encontrando os seus moradores e ao mesmo tempo revivendo o tempo antigo.
Não se pense que recordar o tempo passado é o mesmo que ficar carpindo como um velho, agarrado ao passado e às mágoas . Sem passado não se pode construir o futuro.
Acredito que daqui a alguns anos aquela aldeia perdida na serra ganhe novamente vida, as casas renovadas, novamente fervilhem de vida como outrora. As crianças percorram aquela rua, agora quase deserta. A correr e a rir. O sino da igreja faça repiques de casamentos e batizados como naquele dia em que eu, também, al jurei fidelidade a um homem.
E volto às memórias antigas. E tão antigas ......
O Xico Sapateiro que não era sapateiro, mas sim taberneiro, tinha duas filhas em idade de arranjar namoro e, casar. Havia que fazer por isso. Com uma sala de baile ali tão perto, até era ao ar livre, uma concertina tocada “ouvido” por um “ moço” que ali apareceu a fim de trabalhar numa casa como criado. Agora já tudo muito mais animado.
Aos Domingos à tarde juntavam-se as raparigas acompanhadas das mães que ficavam enlevadas vendo as suas meninas dançando esperançadas de um futuro namoro. Naquele Domingo à tarde tudo se repetia. Invariavelmente da mesma maneira.
Começa o toque da concertina. Algumas raparigas a dançar levantavam a saia rodada no movimento da roda da “ moda”
É, então, que lá ao fundo da escada aparece um rapaz mais ou menos conhecido vindo da aldeia vizinha, fato preto meio amarrotado, camisa de linho, botas de atanado, cardadas e boina na cabeça, cara de labrego, torrada pelo sol e pelo trabalho duro do campo.
Devagarinho vai-se chegando a uma das filhas do dono da taberna e de mansinho, a medo, vai perguntando:
__ Menina “ Coceição” vamos dançar a moda do “ grafanhoto” ...... ?
A menina “ Coceição” foi dançar a moda do “ grafanhoto” e nunca mais parou.
Passaram meses e o rapaz do fato preto, amarrotado, e cara de labrego saiu da igreja com o sino a repique numa manhã de Domingo, de braço dado com a menina “ Coceição” ainda meio envergonhado por naquela tarde ter pedido para dançar a moda do “ grafanhoto”