sábado, 20 de janeiro de 2007

Duas rosas vermelhas

Sentava-se sempre no mesmo banco do jardim, ali na praceta da cidade grande.

Há quantos anos ? Muitos .... muitos que já passaram .....

A vida levou-o para lá , pela mão de um filho, que ali casou, ali morava, mas, como a casa é pequena, teve que se “hospedar” num lar de idosos.

Sempre cuidou muito bem de si. Limpo e saudável, não dispensava o seu lugar cativo naquele banco do jardim.

Quando o tempo não permitia ficava no lar a conversar, jogar dominó ou cartas, ou mesmo só vendo televisão.

Cada pessoa tinha histórias para contar, aliás como toda a gente tem. Umas mais ligeiras, como ligeira foi a vida, outras mais complicadas, como algumas vidas o foram Todas têm o seu valor.

Por vezes, também ele, mergulhava nos seus pensamentos. Ninguém conhecia todos os detalhes. Gostava de recordar mas não gostava de contar Afinal as histórias eram só suas... bem guardadas dentro da sua velha cansada e branca cabeça.

Naquele dia, sentado no “seu” banco pôs-se a recordar muitas coisas. O dia estava lindo. Era Outono. As folhas amarelas e castanhas dos plátanos espalhadas pelo chão lembravam um tapete de Arraiolos, bordado por mãos habilidosas e frágeis.

Enquanto mais novo gostava de dar uma volta pelas ruas, vendo as montras e olhar as pessoas que numa constante pressa, com os sacos cheios, na mão, se dirigiam a casa, vindo dos empregos ou das compras.

Agora, não podia por causa do maldito reumatismo, e do joelho que também não ajudava e dificultava o andar.

Novo, bonito, elegante, com a palavra na ponta da língua não perdia ocasião de um “piropo” às raparigas. Elas riam, contentes, a fingir-se envergonhadas, com os elogios. Mas havia uma, que passava sempre de manhã. Ele sabia disso, e vinha ainda mais cedo, para a ver passar.

De galanteio, em galanteio. De “piropo” em “piropo” umas vezes com resposta, outras nem por isso, foram começando a conversar. E conversavam de manhã, à tarde ou ao Domingo, quando havia tempo. E o tempo para a conversa foi alargando, alargando.

Ela era muito bonita. Cabelos longos, pretos espalhados pelos ombros. A boca vermelha e como pintura, apenas um leve risco preto nos olhos expressivos.

Apaixonados, quantas vezes juraram amor, Combinaram casamento. Imaginavam-se juntos, na velha aldeia, na sua casinha branca. E os dias iam passando, sempre ansiosos por mais uma conversa enquanto se dirigiam a casa.

Ele, pelo caminho, colhia no parque ou num qualquer jardim duas rosas vermelhas que lhe entregava no início de cada encontro.

E ela, ao receber as rosinhas, ria numa gargalhada sonora e límpida. Sonhavam todas as noites com o “grande dia”

A vida foi rolando devagar. Ele foi foi fazer vida militar e por lá ficou procurando melhor nivel de vida.

Mas como a distância é inimiga do amor foram-se iniciando outros conhecimentos. E o tempo foi passando, passando, até que ambos se casaram.

Ela, esquecida daquele louco amor, encantou-se por um homem “ bem posto” que lhe prometeu estabilidade na vida.

Ela, com uma rapariguinha bonita e alegre da cidade. E mais uma vez a vida foi rolando, rolando ....

Nunca mais se encontraram. A vida é assim. Sem querer prega-nos partidas. E que partidas ..

Num Domingo de Outono, Joaquim foi com um dos filhos à sua aldeia natal ao casamento de uma filha deste, portanto, sua neta.

Deu uma volta pelas ruas, agora mais bonitas e calcetadas, outrora de terra batida.

Recordou e não podia deixar de rever na memória, os seus tempos de juventude Mais uma vez a rapariguinha, sua antiga namorada lhe veio à lembrança. Deambulou por ali. Já só as pessoas mais velhas o conheciam e cumprimentavam. E ele ia recordando , recordando, até que as pernas cansadas se quedaram junto de uma porta fechada. Sentou-se no degrau. Depois de uma pequena pausa, olhou em volta. Ninguém passou. Levantou-se. Olhou em volta. Mada nem ninguém . A tampa mal fechada do contentor do lixo, mostrava, duas rosinhas vermelhas, pequenas, lindas, lá dentro, presas a um ramito velho que alguém podou, levando-os para lá.

Levantou-se e tirou os dois botõezinhos, colocando os a par na soleira da porta fechada.

Dirigiu-se, então, para a Igreja, onde a cerimónia estava prestes a terminar, com um sorriso nos lábios e o coração a saltar de alegria.



Natércia Martins

2007

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