Na minha aldeia sempre foi difícil viver. Lá pelos anos 50 ou 60 ainda não havia luz eléctrica ou jornais. As notícias passavam de uns para os outros . Chegadas à 5ª ou 6ª boca iam ficando distorcidas fazendo fé ao velho ditado de que “ quen conta um conto acrescenta um ponto “.
A loja do Zé Matias era ponto de encontro. A loja enorme ( seria mesmo ? ) comprida e com um balcão de madeira em forma de L, encerado pela velhice e pelas mangas dos clientes que a ele se encostavam. Um banco comprido, colocado estratégicamente colocado ao meio da loja permitindo conversa para todos os pontos.
Só à Segunda feira entravam mais clientes vindos das aldeias vizinhas. Era o dia de mercado semanal. Nos outros dias era um marasmo.
Na loja do Zé Matias vendia-se de tudo: tecidos, fitas de nastro, sabão amarelo e azul, pimenta, massa,arroz,escovas, pregos e parafusos.
P Zé Matias não era velho. Tinha uma careca luzidia. Era barrigudo e pachorrento. A mulher muito mais nova, de porte elegante usava um carrapito no alto da cabeça, com feitios feitos com o próprio cabelo que se assemelhavam a asas de pato. Impecável todo o dia.
O meu pai era cliente habitual. Pela tardinha ali se juntavam a saber as “ novas “ do dia.
Julho ... tarde de calor .... sem novidades dignas de nota Beliscava-se neste e naquele. Sempre o mesmo...
À porta assoma uma cigana. Saias rodadas e compridas. Avental a cobrir toda a vestimenta.
A medo entrou na loja acompanhada de uma outra vestida da mesma forma.
Todos os olhos se viraram. Silêncio absoluto. Chegarm-se as duas ao balcão. O Zé Matias levantou-se, espreguiçou-se, abriu a boca e foi caminhando para o lado de lá do balcão.
Elas foram pedindo:
-- Dois tostões de café, meio quilo de arroz, um quarto de açucar e sabão.
Levantou o avental onde trazia uma panela
-- Senhor José, ponha aqui para dentro. Assim não se entorna nada.
Concordou. Ia colocando tudo com a calma de quem não tem nada que fazer.
Quando chegou a altura do pagamento, a cigana tirou a panela e colocou-a em cima do balcão, com muito cuidado, dizendo que não trazia dinheiro que chegasse. Ia lá fora pedir ao marido.
Com certeza. ! Claro ! E saiu para ir buscar o dinheiro.
Já de noite, o meu pai passou por ali e o Zé Matias ainda tinha o estabelecimento aberto. Estranho !
-- Senhor Nunes, estou à espera da cigana. Ainda não apareceu. A panela continua ali. Não fecho a porta porque as coisas podem fazer-lhe falta.
-- Olhe lá, Já espreitou lá para dentro ? Disse o meu pai já a sorrir.
O homem ficou vermelho. Com cuidado tirou a tampa, mas a panela, além de não ter nada dentro, tambem não tinha fundo.
P Zé Matias ia aviando a freguesa para dentro da panela e por sua vez tambem para dentro do avental.
A cigana foi esperta e ...... aviada.
Natércia Martins
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