sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Zé Matias

Na minha aldeia sempre foi difícil viver. Lá pelos anos 50 ou 60 ainda não havia luz eléctrica ou jornais. As notícias passavam de uns para os outros . Chegadas à 5ª ou 6ª boca iam ficando distorcidas fazendo fé ao velho ditado de que “ quen conta um conto acrescenta um ponto “.

A loja do Zé Matias era ponto de encontro. A loja enorme ( seria mesmo ? ) comprida e com um balcão de madeira em forma de L, encerado pela velhice e pelas mangas dos clientes que a ele se encostavam. Um banco comprido, colocado estratégicamente colocado ao meio da loja permitindo conversa para todos os pontos.

Só à Segunda feira entravam mais clientes vindos das aldeias vizinhas. Era o dia de mercado semanal. Nos outros dias era um marasmo.

Na loja do Zé Matias vendia-se de tudo: tecidos, fitas de nastro, sabão amarelo e azul, pimenta, massa,arroz,escovas, pregos e parafusos.

P Zé Matias não era velho. Tinha uma careca luzidia. Era barrigudo e pachorrento. A mulher muito mais nova, de porte elegante usava um carrapito no alto da cabeça, com feitios feitos com o próprio cabelo que se assemelhavam a asas de pato. Impecável todo o dia.

O meu pai era cliente habitual. Pela tardinha ali se juntavam a saber as “ novas “ do dia.

Julho ... tarde de calor .... sem novidades dignas de nota Beliscava-se neste e naquele. Sempre o mesmo...

À porta assoma uma cigana. Saias rodadas e compridas. Avental a cobrir toda a vestimenta.

A medo entrou na loja acompanhada de uma outra vestida da mesma forma.

Todos os olhos se viraram. Silêncio absoluto. Chegarm-se as duas ao balcão. O Zé Matias levantou-se, espreguiçou-se, abriu a boca e foi caminhando para o lado de lá do balcão.

Elas foram pedindo:

-- Dois tostões de café, meio quilo de arroz, um quarto de açucar e sabão.

Levantou o avental onde trazia uma panela

-- Senhor José, ponha aqui para dentro. Assim não se entorna nada.

Concordou. Ia colocando tudo com a calma de quem não tem nada que fazer.

Quando chegou a altura do pagamento, a cigana tirou a panela e colocou-a em cima do balcão, com muito cuidado, dizendo que não trazia dinheiro que chegasse. Ia lá fora pedir ao marido.

Com certeza. ! Claro ! E saiu para ir buscar o dinheiro.

Já de noite, o meu pai passou por ali e o Zé Matias ainda tinha o estabelecimento aberto. Estranho !

-- Senhor Nunes, estou à espera da cigana. Ainda não apareceu. A panela continua ali. Não fecho a porta porque as coisas podem fazer-lhe falta.

-- Olhe lá, Já espreitou lá para dentro ? Disse o meu pai já a sorrir.

O homem ficou vermelho. Com cuidado tirou a tampa, mas a panela, além de não ter nada dentro, tambem não tinha fundo.

P Zé Matias ia aviando a freguesa para dentro da panela e por sua vez tambem para dentro do avental.

A cigana foi esperta e ...... aviada.


Natércia Martins



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