Em casa da minha avó não se
fazia presépio. A árvore de natal, muito menos. Nem se sabia que era possível
levar um pinheiro para casa e enfeitar. Os enfeites viriam a ser
comercializados muitos anos depois da minha meninice.
Havia, sim, um presépio na igreja
que admirava sempre que lá íamos. O menino Jesus era levado pelas mãos do Padre
António, com carinho embrulhado em rendas, e todos os fiéis, na missa do galo,
iam beijá-lo. Cerimónia simples, mas que, eu, pequena, via com enlevo.
Cerimónia repetida todos os anos, mas que para mim era sempre a primeira vez.
Os rapazes transportavam um
enorme madeiro que ardia no adro todo o tempo das festas natalícias. As
mulheres iam lá com uma pá e levavam as brasas acesas para os ferros de
engomar. Lá em casa iam buscar, também, para pôr na braseira que à noite nos
aquecia os pés.
Aquele enorme braseiro no adro
da igreja sempre me fez alguma confusão. Até julgava que seria para assar o
galo já que se tratava da missa do galo. E quem dava o galo?
A minha tia Laura, ainda
solteira morava com a mãe, minha avó, é que me explicou que a fogueira tinha a
finalidade de aquecer os pobres desprotegidos que ali passavam já que a noite
era muito fria.
Mas a figura do Menino Jesus
inquietava-me. Então aquele menino só vestia um paninho de renda e não tinha
frio? É que a figurinha de barro aos meus olhos de criança era um menino de
carne osso.
Tinham-me dito que o Menino
Jesus trazia as prendas. Então eu e o meu irmão mais pequeno, íamos colocar o
sapato na chaminé do fogão já apagado. No outro dia de manhã lá estavam os
presentes que se resumiam a uma caneca de barro, uma mala para a escola ou um
casaco.
Ora se as prendas eram
trazidas pelo menino Jesus que descia pela chaminé eu tinha de o encontrar. E
se o visse? O que lhe iria pedir? Onde trazia as prendas? Eu podia escolher?
Perguntas que todos os anos
ficavam sem resposta pois ele mais lesto, ia lá pôr tudo às escondidas. Deixava
que todos adormecessem lá em casa e eu, para o encontrar ia pé ante pé, no
corredor, para falar com ele. Pois sim! Quando lá chegava já ele tinha passado.
Cheguei a pensar que era
maroto e não gostava de mim. Mas se me dava prendas ….. então não lhe era
indiferente.
Passaram-se alguns anos e,
claro, cresci, obedecendo às leis da natureza. O meu maior desgosto foi quando
soube que afinal o Menino Jesus das prendas no sapatinho era a minha tia que lá
ia pôr.
Passou muito tempo. Agora
fazemos, em minha casa o presépio e a árvore de Natal, enfeitada com festão de
cores. Até há um Pai Natal a subir nas escadas.
O Menino Jesus é o que me
prende sempre a atenção. Este, que tenho, é lindo. Deram-mo. Tenho-o no meu
quarto juntamente com S. José e Maria. Quando, nas noites sem sono, me levanto
e olho, imagino - o no presépio na minha terra rodeado de palhinhas. Converso
com ele. Conto-lhe porque estou mais triste. Ele sorri. Depois quando me deito
e durmo, sonho com a minha avó sentada na mesa redonda com a braseira a aquecer
os pés, a minha tia Laura belíssima contadora de histórias que nos fazia “ver”
tudo o que contava.
Eram assim os natais na minha
terra onde não havia luz elétrica nem água a jorrar das torneiras. O tempo
corre, sem sermos capazes de o agarrar. Hoje é um lugar igual a tantos outros
que existem por aí.
Natércia Martins