domingo, 22 de dezembro de 2019

Menino Jesus







Em casa da minha avó não se fazia presépio. A árvore de natal, muito menos. Nem se sabia que era possível levar um pinheiro para casa e enfeitar. Os enfeites viriam a ser comercializados muitos anos depois da minha meninice.
Havia, sim, um presépio na igreja que admirava sempre que lá íamos. O menino Jesus era levado pelas mãos do Padre António, com carinho embrulhado em rendas, e todos os fiéis, na missa do galo, iam beijá-lo. Cerimónia simples, mas que, eu, pequena, via com enlevo. Cerimónia repetida todos os anos, mas que para mim era sempre a primeira vez.
Os rapazes transportavam um enorme madeiro que ardia no adro todo o tempo das festas natalícias. As mulheres iam lá com uma pá e levavam as brasas acesas para os ferros de engomar. Lá em casa iam buscar, também, para pôr na braseira que à noite nos aquecia os pés.
Aquele enorme braseiro no adro da igreja sempre me fez alguma confusão. Até julgava que seria para assar o galo já que se tratava da missa do galo. E quem dava o galo?  
A minha tia Laura, ainda solteira morava com a mãe, minha avó, é que me explicou que a fogueira tinha a finalidade de aquecer os pobres desprotegidos que ali passavam já que a noite era muito fria.
Mas a figura do Menino Jesus inquietava-me. Então aquele menino só vestia um paninho de renda e não tinha frio? É que a figurinha de barro aos meus olhos de criança era um menino de carne osso.
Tinham-me dito que o Menino Jesus trazia as prendas. Então eu e o meu irmão mais pequeno, íamos colocar o sapato na chaminé do fogão já apagado. No outro dia de manhã lá estavam os presentes que se resumiam a uma caneca de barro, uma mala para a escola ou um casaco.
Ora se as prendas eram trazidas pelo menino Jesus que descia pela chaminé eu tinha de o encontrar. E se o visse? O que lhe iria pedir? Onde trazia as prendas? Eu podia escolher?
Perguntas que todos os anos ficavam sem resposta pois ele mais lesto, ia lá pôr tudo às escondidas. Deixava que todos adormecessem lá em casa e eu, para o encontrar ia pé ante pé, no corredor, para falar com ele. Pois sim! Quando lá chegava já ele tinha passado.
Cheguei a pensar que era maroto e não gostava de mim. Mas se me dava prendas ….. então não lhe era indiferente.
Passaram-se alguns anos e, claro, cresci, obedecendo às leis da natureza. O meu maior desgosto foi quando soube que afinal o Menino Jesus das prendas no sapatinho era a minha tia que lá ia pôr.
Passou muito tempo. Agora fazemos, em minha casa o presépio e a árvore de Natal, enfeitada com festão de cores. Até há um Pai Natal a subir nas escadas.
O Menino Jesus é o que me prende sempre a atenção. Este, que tenho, é lindo. Deram-mo. Tenho-o no meu quarto juntamente com S. José e Maria. Quando, nas noites sem sono, me levanto e olho, imagino - o no presépio na minha terra rodeado de palhinhas. Converso com ele. Conto-lhe porque estou mais triste. Ele sorri. Depois quando me deito e durmo, sonho com a minha avó sentada na mesa redonda com a braseira a aquecer os pés, a minha tia Laura belíssima contadora de histórias que nos fazia “ver” tudo o que contava.
Eram assim os natais na minha terra onde não havia luz elétrica nem água a jorrar das torneiras. O tempo corre, sem sermos capazes de o agarrar. Hoje é um lugar igual a tantos outros que existem por aí.

Natércia Martins



terça-feira, 17 de dezembro de 2019

A menina dança ?




Era quase sempre assim que uma moda se começava a dançar num ritmo calmo com os corpos bem juntinhos e os rostos quase unidos. As mãos seguravam sonhos e fantasias, muitas vezes só na cabeça do rapaz ou da rapariga.
Os bailes dos anos sessenta ou mesmo de setenta eram calmos bem ritmados por uma balada e o cadenciado dos passos no chão da sala.
Fui a muitos desses bailes.
Teria os meus quinze anos quando fomos a um baile de carnaval ao salão do Clube. Teria “bom pé” porque nunca mais parei. Lembro-me tão bem! O rapaz, cujo nome nunca esqueci, também dançava muito bem.
Eramos sempre acompanhadas pelas mães ou irmão. As mães sempre vigilantes não fosse o rapaz atrevido e roubasse um beijinho ao seu par. Era assim nesse tempo.
Havia muitas espécies de bailes. Eu gostava de todos desde que se dançasse.
Na eira do Ti Chico também se faziam. O som da concertina mais ou menos afinada com alguma “fífias” pelo meio, tocava as modas da época. O convívio e a folia reinavam e também havia namoricos que começavam naqueles bailes.
Os rapazes das aldeias vizinhas apresentavam-se para dançar, o que não era bem visto pelos da aldeia e quantas vezes o baile acabava à paulada. Sim porque o rapaz desse tempo fazia-se acompanhar de um cajado que deixava no lado de fora do local do baile.
O meu pai chamava – lhes baile de coça barriga.
Também, na época, se usava o buffet que na maioria das vezes não era mais que uma mesa e copos onde se vendia cerveja e vinho.
Os rapazes bebiam pouco mas juntavam-se ali por perto na conversa. Quando a música começava lá iam eles à procura do par. Muitas vezes o par já era certo e não se dançava com mais ninguém.
Os “pés de chumbo” é que eram uma chatice. Não sabiam dançar e pisavam os pés da rapariga. Uma vez, que me lembre, apanhei um desses pés de chumbo e deixei-o no meio do baile. Chorei muito pois eu gostava dele mas não conseguia dançar.
Não raras vezes as raparigas olhavam como que a escolher o rapaz. Eles também já sabiam e faziam sinal como a marcar o lugar. Os que não viam e vinham à frente levavam “tampa”. Era assim que se dizia.
A rapariga que não dançava ou porque não conseguia par ou mais envergonhada ficava sentada. Chamava- se a isso um “banho de cadeira”.
Alguns bailes que se faziam tinham nome: baile da primavera, baile de carnaval, baile da pinha ou mesmo só baile. Tudo servia para se dançar.
O baile que se fazia à tarde era chamado de chá dançante. Acabava à hora de jantar.
À noite, acabava de manhã quase sempre com marchas onde se faziam comboios com toda a gente a divertir-se. Era sinal que naquele dia, ou noite não havia mais. Hora de rumar a casa.
A rainha do baile era escolhida entre as raparigas mais bonitas. Colocavam uma faixa quase sempre cor-de-rosa.
Também se faziam ao som do gira – discos com discos de vinil. Havia um habilidoso que comandava o som e tinha que colocar a agulha no sítio certo e na pista certa, na música que queria.
Mais tarde já eram abrilhantados por conjuntos com as guitarras elétricas e cabelos à Beatles.
Apareceram os Delfins, Gatos Negros e outras bandas cujo nome já não me lembra.
Mudam-se os tempos e as vontades.
Mas como alguém dizia: o sonho não envelhece.
Hoje fazem-se bailes para gerações mais velhas até mesmo em discotecas. As pessoas mais velhas têm o direito de se divertir, conversar e recordar os seus tempos de juventude.
Quantas dessas pessoas não tiveram a oportunidade e só agora a conseguiram. A cabeça e principalmente as pernas ajudam. E fazem muito bem!
Será que ainda se usa: a menina dança? E porque não?

Natércia Martins