domingo, 5 de julho de 2009

Espertinho

Hoje já ninguém se lembra, mas no início do século passado, as ruas, a que hoje se chama “ a baixinha” de Coimbra, ficavam ao mesmo nivel do rio.

Depois, com as obras da Rua Navarro, ficaram a um nível inferior. E era aí, numa dessas ruas estreitas que a minha avó tinha uma taberna, onde se vendia chafana, ou mesmo só o molho, quando não havia dinheiro para pagar a carne.

Parece que tinha fama de saborosa.

O velho Basófias era navegável e as Barcas Serranas desciam o rio desde Penacova, carregadas de carqueja, azeite e carvão. As recoveiras aproveitavam o transporte e aviavam os recados, as lavadeiras traziam roupa para lavar, ali mesmo na margem e no extenso areal, que na época, o rio, apresentava, estendendo essa mesma roupa, nas grades que ainda hoje lá se encontram, ou no dito areal.

Quando as barcas subiam o rio, levavam de volta as lavadeiras com a roupa já seca.

Contava a minha mãe que a minha avó mandava a criada para a porta da taberna contar as velas das Barcas a fim de saber quantas caçoilas de chanfana tinha que preparar.

Numa tarde de vento e chuva forte, aliás numa tarde de tempestade, a minha mãe foi visitar a mãe dela, minha avó e .... nessa tarde eu nasci . Ao mesmo tempo desabava a chaminé da casa em cima de um tacho de arroz de chouriço, que cozinhava em cima do fogão.

Passados um ou dois dias, lá fomos as duas a caminho da aldeia, na serra, na camioneta da carreira.

E foi na casa da minha avó, numa rua esteita e pequena que eu nasci. Lá em baixo, na taberna, apesar do temporal, a vida continuou sem mais transtornos que o arroz de chouriço desfeito debaixo da chaminé caída.

Aos Domingos, havia música no Parque da Cidade. E era ver algumasvelhotas, rapazinhos e militares a correr para ficar bem à frente da grade do coreto. Não raras vezes a luta por um lugar melhor “ descambava” em zaragata. E apanhava, quem não podia fugir, ou porque as pernas não acompanhavam, ou porque o pânico se instalava , ou simplesmente, não havia tempo de fugir. Numa dessas zaragatas, a minha bisavó foi apanhada. Ela, não perdia uma boa tarde de música no coreto.

Na pressa da fuga perdeu uma chinela. Claro que a minha avó não gostou da “ coisa”. No outro dia foi à esquadra a fim de reaver a chinela. Só tinham encontrado umas asas de um qualquer anjinho de uma qualquer procissão. Foi motivo de risota entre os militares, pois, Coimbra, cidade pequena, na época, todos se conheciam.

As histórias e personagens vão-se entrelaçando entre si. As tristezas, as alegrias e até partidas eram como se de uma família só, se tratasse.

Ali mesmo ao lado da rua onde morava a minha avó havia o Largo doRomal.

Morava lá o “ Perneta”. Tinha uma perna de pau, daí o alcunha. Morava no 1º andar. Como companhia, uma gata amarela. Quando subia a escada de madeira só se ouvia o som cavo da perna de pau a bater nos degraus.

Um dia a gata morreu. O homem desfazia-se em lágrimas de pranto. Juntaram-se as vizinhas e decidiram consolar o pobre homem. Fizeram uma coroa com o material que tinham mais à mão: carqueja. Ficou danado e nem teve dificuldade em descer as escadas atrás delas com a muleta pronta a desabar na primeira que encontrasse.

Tinha a minha avó Catarina um galo lindo. De penas amarelas e pretas. Andava por entre as pernas dos fregueses, sentados em bancos corridos. Comiam chanfana e bebiam vinho.

Lá ao fundo alinhavam-se as pipas cheias do líquido cor de rubi. O meu avô pouco por ali parava. Não gostava ! Tinha outras ocupações. E o galo por ali andava sem incomodar ninguém e também ninguém o incomodava. Migalha aqui, migalha ali, já fazia parte da clientela. O meu avô embora, por vezes arredio, ia-o observando, parecendo prazenteiro e alegre durante o dia. Tudo se modificava à noite. Cambaleava e o rabo cheio de penas enormes, ficava retorcido . A crista vermelha, ficava ainda mais vermelha e tombada. Mau ! Estaria o galodoente ?

Os dias iam correndo. O galo, de vez em quando largava um cócórócó sonoro, de bico aberto apontando ao sobrado onde eu nasci num dia de tempestade. À noite nem força tinha para cantar. O sonante cócórócó saía rouco, esganiçado, desafinado. Não havia resposta para tal transformação.

O meu avô tirou-se de cuidados e espreitou. Então não era que o esperto bicho se colocava debaixo da torneira da pipa e aparava, de bico aberto, o pingo que caía. Claro! À noite a bebedeira era no mínimo .... muito grande.!!!!!!!!!

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