Saltos altos
O meu pai entrou em casa com uma
caixa novinha em folha, debaixo do braço. Colocou-a em cima de uma cadeira e
foi embora.
Eu, curiosa, e pequena ainda, muito
devagarinho e sem ninguém dar por isso, levantei a tampa. Que maravilha! Uns
sapatos de salto alto. Amarelos e com um brilho que achei lindo. Luziam ainda
mais quando tirei a tampa e olhei maravilhada. Eram de verniz. Como eu gostaria
de crescer depressa para poder usar uns sapatos daqueles. Já me via empoleirada
no cimo daqueles saltos enormes. Mas ainda iria faltar muito tempo. Apenas
poderia sonhar e admirar aquela pequena maravilha.
A minha mãe entrou em casa vinda do
trabalho e viu a caixa. Nem ligou muito. Não mostrou curiosidade. Eu fiquei
quietinha à espera que quando abrisse a caixa soltasse uma exclamação de
alegria.
Algum tempo passou e eu curiosa. E
ela que não mostrava o mínimo interesse.
Ao jantar a caixa ainda lá estava por
abrir. Que coisa! Parecia que o tempo não passava. O meu pai também não disse
nada. E a caixa fechada em cima da cadeira.
Já tarde a minha mãe notou a presença
de um objecto em cima da cadeira. Olhou para o meu pai e perguntou.
-- Foste tu que compraste?
-- Sim. Fui eu. Espero que gostes.
A minha mãe levantou devagarinho a
tampa. Olhou uma, duas vezes. Aguçou a vista, franziu o nariz. Olhou mais uma
vez. E quando eu pensava que iria sair uma explosão de alegria, ficou vermelha,
olhou para o meu pai e gritou:
-- Amarelos? Vou parecer que tenho
pés de canário. Nunca, na minha vida, vou usar uns sapatos amarelos. Quem
pensas que sou? Uma qualquer que usa esta “coisa” ?
E os sapatos lá ficaram tristes
dentro da caixa. Nunca ninguém os calçou.
A minha mãe não gostava do amarelo. E
eu, ainda hoje, olho para a caixa dos sapatos amarelos e dou um sorriso. Uns
sapatos tão lindos, com um salto fininho que fazia inveja a umas pernas bem-feitas.
Eram lindos os sapatos !
O tempo passou. Cresci mas nunca fui
capaz de os calçar. Quando mudei de casa trouxe comigo a caixa e os sapatos.
Herdei-os como outros móveis que tenho e também vieram juntamente com pequenas
lembranças.
Saltos altos nunca me fascinaram
muito. Quando, passados uns anos e cheguei à idade de poder usar, já não me pareciam
assim tão bonitos.
Fui a bailes e festas. Levava saltos
altos, claro, mas nunca amarelos.
Mas penso: que ideia a do meu pai em
comprar uns sapatos amarelos para dar de prenda à mulher. E de salto alto!
Será que ele não sabia que ela não
gostava do amarelo?
Natércia Martins