sábado, 7 de agosto de 2010

Um acidente



Saí da escola e como de costume, antes de entrar em casa sentei-me no muro do vizinho.

O muro é baixo. A minha casa fica do outro lado Tem uma espécie de banco onde me sento, antes de atravessar a estrada, abrir a porta e entrar num outro mundo, onde me esperam os fillhos, que por sua vez também iam chegando da escola.

Vinha cansada. O dia não tinha corrido muito bem. Sentei-me e uma brisa, passou, ao de leve e desarrumou os meus cabelos, pintalgados já com fios brancos.

Passei a mão a fim de ajeitar os cabelos desalinhados e um arrepio percorreu-me todo o corpo.

Olhei em volta. Tudo calmo, com o calor do início de Verão a fazer cantar as cegarregas nos troncos das árvores, dentro da mata.

A terra fresca e o laguinho com peixes vermelhos que nadavam lá no fundo entre a areia grossa e dourada, saltando em alegres brincadeiras como que a querer sair de dentro de água.

Mais uma brisa desarrumou os meus cabelos.E mais uma vez um arrepio me fez tremer o corpo.

Pelo carreiro que levava à porta de casa, os agapantos, as azáleas, os goivos e as roseiras, regadas de fresco bordavam o caminho.

Como sempre faço, atravessei a rua. Os meus pensamentos voavam e a retropectiva do dia também. As aulas. Os problemas de cada aluno, como se fossem meus.

Sem que me apercebesse, um carro chiou atrás de mim numa travagem a fundo. Um choque brutal atirou-me para a valeta.

Uma escuridão enorme! Vozes que ouvia no meio de muita confusão. Não as conseguia distinguir.

Uma tremenda paz e muitas dores aturdiam-me Não conseguia pensar. Uma ténue luz e uma sensação de bem estar. Nada mais !

Olhei em volta. Deitada na mesa de operações, rodeada de médicos o meu corpo jazia anestesiado.

Olhei. Olhei mais uma vez. Tanta gente que eu conhecia ! Gente que já “ partira” há alguns anos. Outros mais recentemente. Riam e falavam entre eles. Meu Deus, que oportunidade !

Enquanto isto, os médicos operavam e cosiam o que o automóvel esfacelara. Como tinha sido grande o acidente.!

Um dos médicos disse:

__ O coração parou !

Mas eu, sou teimosa não queria ficar por ali.Tinha que acabar de criar os meus filhos e ver os netos nascer.

Uma luz tão brilhante como o sol aproximou-se, transformando-se numa figura imponente. Era velho que me fez recordar o meu pai. Estava acompanhado. Reconheci todos, sorridentes, olhando-me felizes.

Estendeu-me as mãos muito brancas, deu-me um beijo e disse:

__ É hora de regressares. Eu estou sempre ao teu lado. Nunca te abandono. Velo por ti, nas boas e más ocasiões. Pensa sempre que os teus amigos, foram amigos na vida, mas também não te abandonam, mesmo sem dares por isso. Nós estamos sempre presentes.

Regressa à vida !

O médico olhou em volta e exclamou:

__ O coração voltou a bater !

Os médicos acabaram a operação enquanto, lentamente acordava da anestesia. Dores,muitas dores.

A maca atravessou os corredores em direcção à enfermaria. A mesma brisa que sentira antes do acidente passou e fez-me uma leve carícia no rosto.

Apesar das dores, sorri. Que bom. A vida esperava, de novo por mim.

Natércia Martins

2010