Missa do Galo
Era noite de Natal.
Sentados à mesa, na sala de jantar, jantávamos todos juntos, como sempre fazíamos nas ocasiões especiais.
Da cozinha, chegava o cheiro dos fritos, acabadinhos de fazer: filhós de abóbora, rabanadas e broínhas. Azáfama a que eu era alheia. Era muito pequena ainda, portanto dispensada de certas lides caseiras. Ajudava a partir nozes e pinhões. Não tinha ainda competência para mais.
Perto do final do jantar a minha mãe declarou:
-- A Igreja é perto. A noite está linda, vamos à missa do Galo.
Eu, nunca tinha ouvido falar na missa do Galo. Missa do Galo ? De quem seria o galo ? O nosso ? Aquele grande que de manhã nos acordava com um cocorocó afinadinho, potente? Era lindo o galo. De penas amarelas e a crista bem vermelha. Era o rei da capoeira ! As galinhas gravitavam à sua volta, esgravatando e debicando.
De vez em quando e em assomos de “ D. Juan” arrastava a asa pelo chão, e dava meia volta perto de uma galinha mais bonita.
A missa do galo tinha-me deixado a pensar.
Vestimo- nos e lá fomos a caminho da Igreja. No adro ardia um madeiro enorme que os rapazes da aldeia transportaram à tarde, no carro de bois, trazido do pinhal. A chama vermelha elevava-se ao céu em línguas de fogo e fagulhas que o vento gelado fazia saltar provocando nas pessoas que se juntavam em volta, uns risinhos e algumas exclamações, não fossem ficar com a roupa estragada com um buraco.
Olhei em volta, ainda preocupada com o galo. Não! O galo não estava ali.
Os cânticos dentro do templo e já aquecidos pela chama forte da fogueira entoavam alegres, convidativos.
Entrámos e acomodámo-nos num dos bancos lá à frente, perto do presépio.
O Menino Jesus deitado na manjedoura entre S. José e Nossa Senhora, dormia sorrindo, no aconchego do bafo da mula e da vaquinha de barro. Lá ao fundo, no campanário da igrejinha, colocada entre um ramo de azevinho e bagas vermelhas, estava um galito pequeno, pintado de cores vivas.
A missa ia continuando em ritmo normal. Eu é que curiosa, procurava insistentemente onde estaria escondido o galo.
O galo da minha avó, não era porque gritou o seu conhecido canto, como a dizer:
-- Estou aqui, estou aqui !
Olhei para baixo dos bancos. Quem o teria trazido ? Estaria escondido dentro do xaile preto das mulheres que assistiam à missa e de vez em quando o aconchegavam. Só podia ser !
Esperei a ver o que acontecia. No meio da cerimónia uma senhora levantou-se do banco e dirigiu-se ao altar. Estremeci. Levaria ela, o galo ? E para quê ? Certamente que fugiria pela coxia de pedra, aflito. Mas não ! A senhora, calmamente leu uma passagem da Biblia em voz alta e pausadamente para todos os fiéis ouvirem. Chegou, leu e foi sentar-se novamente. Espreitei para baixo do altar. Nada ! Já estava a ficar aniosa sem saber onde estaria o galo. A missa do Galo tinha que ter um Galo. Pois claro !
Em voz baixa perguntei ao meu irmão . Este respondeu-me com encolher de ombros. Também não sabia.
E o galo que não aparecia !
Final da missa. Depois da benção iniciou-se a cerimónia de beijar o Menino, que o Sr padre foi buscar ao presépio e que entretanto acordara.
Uma a uma as pessoas em fila, beijavam o pezinho sagrado, enrolado em toalha branca com renda em volta, na mão do sacerdote.
Chegou a minha vez. Olhei espantada para o Menino que me sorriu piscando o olhito maroto, como que a gozar comigo.
A mão da minha mãe, apertou a minha levando-me novamente para o banco.
Já fora da Igreja, a fogueira ardia com explendor , nunca se apagando mesmo durante a noite, dando também calor a quem por ali ficou.
Chegados a casa, claro, a pergunta impunha-se:
-- Ó mãe, afinal onde está o galo ? Até agora não vi nenhum ! Não é o nosso, pois não ? Porque é que fomos à missa de um galo que não vi ?
Gargalhada geral !
--A fogueira era para assar o galo ?
A gargalhada foi ainda maior.
Então a minha avó sentou-me nos seus joelhos e contou:
-- Diz uma velha lenda que Jesus nasceu pela meia noite do dia 24 para 25 de Dezembro. Por essa mesma hora, portanto, meia noite, todos os galos nos galinheiros, cantaram ao mesmo tempo, várias vezes. Daí se chamar a Missa do Galo !
Natércia Martins
2009