terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Tobias

Não sei muito bem como, mas dei por mim longe dos meus irmãos. Tentei gritar e chamar, mas o lugar onde me encontrava era tão quentinho e macio, que adormeci.
Quanto tempo ali estive, não sei. Acordei com o barulho de um portão a abrir e o ladrar de um cão.
__ Mau ! Um cão !
Ouvi uma voz grossa de homem dizer:
__ Quietinho, Fiel !!! Tem cuidado porque hoje trago uma prenda aqui dentro do bolso. Vai ser a alegria dos meninos.
Mais uma porta se abriu e o barulho de vozes fez-se ouvir:
__ Avô, avô trazes uma prenda ?
__ Sim. Não sei se vão gostar.
Uma mão grande agarrou-me com cuidado e tirou-me do bolso. Era uma bolinha preta, pequenina com dois olhitos assustados, assim na palma da mão.
Todos gritaram de alegria:
__ Um gatinho !
Pois era ! Um gatinho muito pequenino, preto, de olhitos castanhos e orelhas tão pequeninas que nem se viam.
Afinal era eu a prenda que o avô trazia. Foi uma algazarra. Todos queriam dar – me um nome. Surgiram sugestões: Óscar, Bolinha, Pantufa, Tareco..... Todos os gatos se chamam tareco. Era um nome muito corriqueiro.
Não havia consenso .... Foi, então que a avó sentada num velho cadeirão decidiu:
___ Não se vai chamar nada disso ! Vai ser Tobias.
E fiquei Tobias.
Brincava no colo dos meninos e dormia em almofadas. Quando podia dar uma escapadela era na cama do Joãozito. Macia, quentinha, com almofadas de cores garridas. O colo do avô era uma delícia. Aconchegava-me nas suas pernas e as mãos grandes que me trouxeram para casa faziam-me festas . E eu gostava tanto !
Nos dias quentes de verão a janela era o meu lugar preferido. O sol fazia desenhos na parede. Pareciam passaritos a voar. E eu aos saltos tentava agarrá-los.
Fui crescendo e os meninos também cresceram. Fiz-me um gato grande, luzidio, com uma vida de rei. Afinal eu passei a ser o rei daquela casa. Comia bem e dormia nos melhores lugares..Quando o Fiel espreitava lá para dentro de casa querendo entrar logo lhe diziam:
_ Aqui não há lugar para cães. E eu olhava-o a gozar com ele.
Um dia, estavam todos reunidos, sentados à mesa e ouvi dizer
_ Para a semana vamos de férias.
Férias ? Nunca tinha ouvido falar em férias. Não fazia a menor ideia do que seriam férias.
Os dias foram passando e não via mudanças na casa. Afinal as férias, não poderiam ser nada de anormal. Isso era o que eu pensava .....
No tal dia de início das férias, carregaram o carro com malas, malinhas e sacos Eu também fui ao colo. Já não cabia no bolso do avô. Só que o avô não ia lá. Sem que eu desse por isso, o avô falecera. Como as coisas mudaram!
Lá longe abriram a porta do carro e deixaram-me ali, no chão. Eu que nunca tinha andado na rua Era mimado como um rei, comia boa comidinha, dormia nas almofadas ou nas camas !
Fiquei quietinho, triste, a ver o automóvel a distanciar-se cada vez mais. Perdi-o de vista.
_ E agora ? Pensei.
Não conhecia nada nem ninguém. Quis entrar por uma porta aberta, mas enxotaram-me como faziam ao Fiel, lá em casa.
Cheio de fome e frio dormi na terra fria de um vaso, com uma flor a servir de teto.
Alguém caridoso deu-me de comer. Ao menos alguém teve pena de mim e fez-me festas, mas também se foi embora.
O dia chegou ao fim. Fui andando e descobri um barracão. Ali não chovia e o frio era menos.
Já aconchegado num monte de palha, ouvi barulho perto. As orelhas ficaram alerta. Um rato passou e viu-me. Olhou com medo que eu lhe saltasse para cima e o matasse. Mas eu nunca fizera isso. Chamei-o.
_ Eu sou o Tobias e tenho medo, fome e frio.
_ Olha, Amigo. Aqui cada um por si. Tens que ir à vida. Procura !
Então pensei que todo o tempo que passei dentro de casa tinha sido inútil. Afinal era um prisioneiro daquela gente, sem vontade, molengão, mimado.
Agora, sim Tenho toda a liberdade de fazer o que muito bem me apetece. Posso correr atrás dos pássaros, das rãs, molhar os pés nos charcos. Como onde posso, chamam-me“ bicho”subo às árvores e até faço medo aos ratos. Um dia um cão vadio correu atrás de mim Levantei a cauda e o dorso a fazer-me grande
Sem querer troquei toda a vida de luxo pela minha liberdade !

Natércia Martins
Dezembro -- 2008