segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O quarto dos brinquedos

Quando vou visitar os netos, durmo no quarto dos brinquedos.
Este fim de semana, fui lá. A casa é grande, situada num lugar calmo e com sol a entrar por todas as janelas.
Quando a noite cai todos dormem
A luz do candeeiro público ilumina tenuamente o quarto.
Adormeci.
Pela madrugada acordei e olhei em volta. Que grande animação !
Pois é .....
Os brinquedos saíram de dentro do grande caixote e andavam pela casa numa tremenda “ rebaldaria”.
Por baixo da minha cama um comboio de pilhas percorria os espaços livres com as luzes a piscar. De vez em quando, o pequeno maquinista, fazia soar a sirene. Nas carruagens sentavam-se todos os animais e bonecos, em perfeita harmonia: leões, peluches, gatinhos, cães, macacos e um elefante. E riam, e riam ....
O polícia de lata ia e vinha até à porta do quarto. Lá ao fundo, um dragão desenhado no tapete, sacudia-se todo, com as cócegas que o combóiozinho, lhe provocava à sua passagem.
Sentei-me na cama. Seria possível ?
E foi, então, que ouvi um choro fininho, sentido. Levantei-me. Espreitei e no fundo de uma caixa de papelão, mesmo lá no fundo, uma bonequinha de plástico sem uma perna. Era ela que chorava .
Olhou-me. Vi os seus olhos castanhos, cheios de lágrimas, implorar que a tirasse dali.
Curvei-me sobre o caixote. Estendeu-me sobre o caixote. Estendeu-me um braço. O outro também estava partido. Aninhou-se no meu colo e olhou em volta, admirada de tanto movimento.
Contou-me que fora presente de aniversário.
Vinha embrulhada em papel prateado com um laçarote em cima. Em cima da mesa viu o bolo com as velinhas de coloridas e e todos os familiares da menina, cantar os parabéns.
Andou de automóvel e de carrinho de bébé. Vestiu casacos de lã e calças de papel.
Apaixonou-se pelo palhacito de cabelo vermelho e boca pintada.
Ele também gostava dela. Passeavam de mão dada e trocavam beijos doces. Dormiam no fundo do caixote bem juntinhos.
Contavam segredos um ao outro e riam, e riam, felizes.
Um dia aconteceu o acidente. Alguém pisou, sem querer, a pequena boneca.
Sem uma perna e um braço partido, já não era bonita e foi posta de lado. Ficou no fundo do caixote dos brinquedos.
Todas as noites ouvia a animação que se fazia cá fora mas impotente nas suas deficiências, ali ficou esquecida.
O pior é que o palhacito, sua grande paixão, também se esqueceu dela.
Olhou em volta à procura. Mais algumas lágrimas caíram dos olhitos cansados da boneca. É que o bonequinho de boca pintada e cabelo vermelho, corria de mão dada com a bailarina. Esta, dançava em pontas, nos sapatos cor de rosa e folhos verdes, mostrando duas pernas perfeitas, indiferentes a mim e à minha amiga.
O comboiozinho lá andava às voltas reluzente e de luzes a piscar com os animais e bonecos nas carruagens.
Ela não parava de chorar. No seu coraçãozito de boneca, a mágoa e a raiva de ser trocada e esquecida.
__ Pensam que não tenho sentimentos. Põe a mão aqui no meu peito, disse-me ela.
Vês como bate ? É a emoção de voltar a ver os meus amigos com quem brinquei tanta vez. O meu palhacito ! Tenho saudades da menina a quem me deram de presente. O meu palhacito !
Foi bom votar a vê-lo! Que bom ! Podia dizer-lhe tantas coisas bonitas ! Não posso. Ele nem sequer me olha ! Mas foi bom !
A manhã começou a raiar. Lentamente os brinquedos voltaram aos seus lugares dentro do caixote.
Peguei na bonequinha e com muito cuidado coloquei-a numa estante no meio dos livros.
Manhã clara ! Um a um os habitantes da casa, iniciaram a sua lida sem se aperceberem que na calada da noite, enquanto se dorme, naquele quarto há alegria, festas e dramas.
Eu, quando me levantei, passei pela estante dos livros, a boneca sorriu como a dizer-me:
__ Obrigada por me teres dado a oportunidade de voltar a ver o meu palhacito, mais uma vez...