Foi meu aluno os quatro anos da escola primária. Lembro-me dele, no primeiro dia de aulas. Olhitos redondos, pretos com pestanas longas.
Agarrado às saias da mãe como que a pedir protecção. Nas sua ingénua ignorância sabia que os dias seriam passados ali, naquela sala grande, enorme, com duas janelas de caixilhos vermelhos e uma porta também enorme. A professora, que não conhecia de lado nenhum, também não lhe inspirava confiança. Nunca me tinha visto. Sabia que a mãe iria embora para casa mas ele iria ficar aquele dia e muitos mais ......
Foi o seu primeiro estender de asas. Outros tempos e outros estender de asas se iriam seguir pelos anos adiante.
Inteligente, começou a descobrir outros amigos, companheiros de brincadeiras e de estudo. Aprendeu a ler num instante. Fazia contas e problemas com facilidade. Pontual e aplicado.
Curioso, perguntava, sempre que não sabia.
Assim se passaram três anos. Sempre bom aluno.
De repente começou a chegar tarde à escola. Cada dia mais tarde.
Mandei chamar a mãe O que se passava ? A mãe também não sabia. Disse-me que saia da casa sempre à mesma hora Mandava-o como de costume de bata branca, lancheira com o almoço, e malita às costas. Mas chegava tarde, muito tarde. Onde seria que ele andava ?
A casa também começou a chegar cada vez mais tarde. A mãe pensou que ficasse na brincadeira pelo caminho. Mas não. Mistério a resolver....
O tempo foi passando. Distraído nos trabalhos. Errava problemas simples, não se esforçava em nada e até os desenhos eram feitos de forma descuidada. Seguramente havia alguma coisa que o distraía. Disse aos amigos que tinha um segredo. Não o desvendou a ninguém por mais que insistissem.
A Mãe, um dia seguiu-o, sem ele dar conta. Saiu de casa e dirigiu-se a uma laranjeira que havia entre a casa e a escola. A mala dos livros no chão e ele empoleirado num galho.
Sorria de satisfação com os olhitos pretos a brilhar.
Era um ninho e lá dentro dois ovitos sarapintados de azul .
Passou a vigiá-los. Embebecido ia espreitar todos os dias e ficava a olhar o ninho com os ovinhos lá dentro. Ali ficava esquecido do tempo que passava sem ele dar conta.
Um dia deu-se o milagre. Quando chegou ao ninho viu dois passaritos que esperavam ansiosos de biquito aberto. Ali estava o seu segredo !
A mãe, chamou-o. Com o dedo indicador nos lábios fez sinal de silêncio. Ninguém poderia interromper aquela magia.
Já na escola contou que, um dia, pelo caminho, de manhã, viu dois passaritos com palhas no bico que se dirigiam à laranjeira.
Curioso como era, foi espreitar. Era o começo do ninho. Viu entrelaçar e transportar penas
Um dia estava um ovo No outro dia mais um.
Esperou, pacientemente a ver o que acontecia. Tinha um segredo que não contaria a ninguém Era só seu. Até ao dia que os passaritos nasceram. Continuou a espreitar. Gostava de ver o vai vem dos pais trazer comida àqueles biquitos sempre abertos à espera.
Mas a desilusão também chegou. Um dia de manhã foi espreitar O ninho vazio fez adivinhar o inevitável ....
Entre soluços com choro alto e sentido contou o seu grande desgosto.
Tinham deixado o ninho .Também eles estenderam as asas até ali frágeis e foram à sua vida procurando outro ninho numa outra laranjeira alimentando outros biquitos abertos e esfomeados.
Natércia Martins
25/6/2008
1 comentário:
Boa evocação da meninice!
É a melhor altura nas nossas vidas para se aprender, pois mais tarde já custa levantar depois de cada queda.
Deliciosamente simples.
Enviar um comentário